A melhor forma de os governos combaterem a inflação é fazerem muito pouco, evitando cair na tentação de compensar com apoios ou descida de impostos todas as famílias e empresas. As políticas devem ser desenhadas por medida, concentrando-se nas famílias de rendimentos mais baixos e nas empresas com uma elevada dependência energética. É aparentemente esse o caminho que o Governo de António Costa está a seguir. Uma política que, no caso português, ainda é mais importante do que nos outros países, para conseguirmos o apoio do BCE se precisarmos.

Só com esta política é que os governos podem ajudar o BCE e, no caso português, o país pode ficar mais protegido de uma eventual instabilidade financeira que se traduza em cortes no acesso a crédito como aconteceu em 2011. Ninguém aceita ficar mais pobre, com menos poder de compra. Mas o cenário alternativo, de políticas orçamentais generosas, iria empobrecer-nos ainda mais.

Pela primeira vez em 11 anos, o BCE aumentou as suas taxas de referência e decidiu fazê-lo em 50 pontos base (0,5 pontos percentuais) no dia 21 de Julho. Foi dos últimos bancos centrais a fazê-lo. De acordo com o FMI, a 13 de Julho, 75 dos 100 bancos centrais que acompanham já tinha aumentado as taxas de juro desde Julho de 2021. O banco central do euro atrasou-se, fê-lo no limite, quando a inflação já estava também a ser alimentada pela desvalorização do euro. E, apesar da subida, o nível das taxas está muitíssimo longe do que seria adequado para um ritmo de subida de preços de 8,6%. Emprestar aos bancos a 0,5% ou ter as Euribor sem sequer chegarem a 1,5% no prazo mais longo, com os preços a subirem quase 9%, significa taxas de juro muito negativas. Este retrato indica-nos que dificilmente o BCE deixará de aumentar de novo as taxas de juro em Setembro, tendo optado por não dar qualquer indicação aos mercados.

Como várias vezes se foi alertando aqui, o horizonte está coberto de nuvens e todos os dias elas se adensam. O Inverno vai ser difícil para os europeus, como já se começa a perceber com a política que está a ser seguida pela Rússia – esta segunda-feira, dia 25 de Julho, voltou a reduzir o fornecimento de gás que corre no gasoduto. A Europa teve também, nesta última semana, mais um contributo de instabilidade, com a crise política em Itália, numa altura em que também a França enfrenta problemas de estabilidade política.

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Os preços vão continuar a subir, pelo menos até o mercado da energia estabilizar – mas não se está a ver como isso vai acontecer no curto prazo – e a recessão pode ser uma inevitabilidade, começando na Alemanha. Cada um de nós tem de se começar a preparar para o embate que, tudo, indica, aí vem. Uma das formas é poupar, o que obviamente não é acessível a todos.

Com este quadro, as políticas públicas têm margens muito limitadas. O BCE tem forçosamente de se concentrar no combate à inflação para que a subida de preços não se descontrole e, hoje é claro, devia ter começado mais cedo. O seu atraso pode exigir subidas mais acentuadas das taxas de juro, com efeitos recessivos mais profundos do que se tivesse começado mais cedo. Mas se em relação ao passado nada podemos fazer, pode-se ainda moderar os efeitos no futuro. E é aí que entram os governos.

A inflação que estamos a viver é o resultado combinado da pressão da procura e da redução da oferta. A procura disparou, logo após o fim dos confinamentos ditados pela pandemia, financiada por uma cumulação de poupança que, por sua vez, foi alimentada quer pelos consumos que não se fizeram quer pelos apoios dos governos que, em países como os Estados Unidos, foram muito generosos. Portugal não esteve nesse grupo, o que pode de alguma forma explicar o atraso com que os preços por aqui subiram.

Do lado da oferta, quando acabaram os confinamentos e pudemos todos ir às compras elas não estavam lá na quantidade que queríamos – as fábricas também tinham fechado, os transportes não se fizeram. E esta ruptura dos canais de distribuição explicou a primeira fase da subida de preços, alimentando a expectativa de que podia ser transitória. Quando a guerra chega à Europa a situação agrava-se e assistimos a uma redução da oferta de produtos básicos, como os energéticos e os cereais, fundamentais para o funcionamento da economia. (Este é um ângulo de abordagem, o outro é olhar para a quantidade de dinheiro que os bancos centrais andaram a imprimir para nos tirarem da crise que tem o seu epicentro nos Estados Unidos em 2007).

Mas como não conseguimos resolver o problema da oferta no curto prazo, é necessário reduzir a procura e é aí que entra o banco central com a subida das taxas de juro, medida que infelizmente reduz o consumo, mas também o investimento. O objectivo é mesmo esse, arrefecer a economia, reduzir a procura, na expectativa de que a dose não seja excessiva, e assim estabilizar os preços.

Assim sendo, se os governos escolherem compensar a subida dos preços com redução de impostos ou aumento de salários estão na prática a alimentar a inflação, anulando as medidas do banco central por via orçamental. E, com isso, a exigir que o banco central aumente ainda mais as taxas de juro, com efeitos ainda mais nefastos na economia.

O melhor contributo que os governos podem dar, nesta conjuntura, é deixar que a economia arrefeça, para moderar a subida dos preços, adoptar medidas dirigidas às famílias de rendimentos mais baixos e às empresas viáveis que dependem da energia e, ao mesmo tempo, avançar com políticas que alterem o perfil da oferta, tornando os países menos dependentes de energias fósseis e, se possível, mais independentes em matéria alimentar.

O governo de António Costa está a seguir em linhas gerais essa receita, concentrando os apoios nos segmentos mais vulneráveis e expostos à subida de preços. Falta perceber se também vai tornar a economia mais resistente a estes choques da oferta. A política energética do país tem sido a correcta, mas precisava de acelerar, nomeadamente em matéria de carros eléctricos e apoio às famílias para tornarem as suas casas mais eficientes energeticamente. Depois é preciso melhorar os serviços públicos – todas as semanas somos confrontados com mais uma frente de fragilidade, esta semana é a polícia. E é preciso encontrar um caminho para que o país não fique tão dependente do turismo.

A tentação de distribuir dinheiro ou até de romper regras de subida de preços deve ser até mais evitada em Portugal do que em países menos endividados, porque estamos mais expostos a uma eventual tempestade financeira. Temos e devemos aproveitar esta subida de preços para reduzir o défice público e a dívida. Sim, é verdade que há “dinheiro caído do céu” nos cofres do Estado, designadamente através do IVA – a mesma taxa sobre preços mais altos traduz-se em mais receita. Aproveitemos esse dinheiro para preparar o próximo ano que pode ser bastante mais difícil. A inflação é amiga dos devedores por isso é preciso aproveitar para dever menos.

Essa disciplina orçamental é ainda necessária por causa das regras que temos de cumprir para ter acesso ao mecanismo “anti-fragmentação”, que o BCE criou dizendo que assim quer garantir que a política monetária se transmite de forma homogénea a todos os Estados-membros (sobre este tema vale a pena ler Ricardo Reis no Expresso). São quatro as regras, que os países têm de cumprir para terem acesso a esse apoio. caso tenham dificuldades de acesso ao financiamento por via dos mercados. E essas regras incluem a disciplina orçamental e o cumprimento dos compromissos assumidos no quadro do Plano de Recuperação e Resiliência.

A redução da inflação causa sempre dor, porque se perde poder de compra e até se pode perder o emprego. Tentar combater a inflação dando dinheiro sem critério apenas agrava essa dor. Resta-nos esperar que os governos também contribuam para reduzir a inflação e assim tornem este combate menos doloroso. A história dos anos 70 do século XX mostra bem o que não se deve fazer.