Estamos a assistir a mais uma COP, este ano no Egipto, com todos os problemas que o encontro levanta ao nível social. Mas, pelo menos, há a esperança de os países desenvolvidos pagarem um preço pelo que o seu crescimento irresponsável fez ao planeta. Uma das decisões que pode sair deste encontro é o apoio financeiro aos países mais pobres que, sem as vantagens da prosperidade, estão a sofrer os efeitos das alterações climáticas. O que se passou no Paquistão e na Nigéria é apenas um exemplo.
“Estamos numa autoestrada para o inferno climático”, alerta-nos o secretário geral das Nações Unidas António Guterres com um apelo para a escolha que temos pela frente: cooperar ou desaparecer. O que nos pode acontecer é inimaginável. Pelos efeitos multivariaveis é praticamente impossível prever, mas já começamos a ter exemplo dramáticos.
Mesmo num país como Portugal, basta sair da cidade para percebermos os efeitos do aquecimento global. O objetivo era limitar a subida da temperatura a 1,5 graus tendo como referência a revolução industrial, mas já se percebeu que pelo que se fez e especialmente pelo que não está a ser feito, isso não vai acontecer.
Muitas empresas já perceberam que têm de se preparar para o que aí vem no futuro ou, se calhar, já é o presente. Contrariamente a outros tempos em que políticas como as designadas de responsabilidade social serviam o marketing, hoje os caminhos da sustentabilidade ambiental e até social estão nas mãos do presidente executivo. E os relatórios deixaram de ser aquela chatice que se tem de fazer para responder aos reguladores.
Claro que há empresas que ainda vivem na ilusão que as alterações climáticas são invenções ideológicas. Ou aquelas em que, como não têm accionistas que corram riscos de perder dinheiro, nada fazem. E lamentavelmente nos Estados Unidos os que querem menos ativismo na defesa do ambiente começam a ter algumas vitórias. Por exemplo nas batalhas contra a Blackrock.
Sim, o argumento de que as empresas sabem o que devem fazer é importante mas nunca deve ser absoluto. Como percebemos pelos mais diversos casos que nos dá a história, os negócios morrem por serem tomados por quem pouco se importa com o longo prazo. Pouco nos importaria se não estivessem também a contribuir para matar o planeta.
Mas por muito que algumas empresas estejam já a levar muito a sério a ameaça que as alterações climáticas e sociais representa para a sua sobrevivência, as políticas públicas serão sempre determinantes e só elas podem marcar a diferença. Mas esta diferença não pode ser feita sem cooperação, como nos avisa António Guterres. O que se passa na Europa ou nos Estados Unidos não fica por lá, espalha-se pelo mundo, como temos visto.
O mundo desenvolvido tem não apenas responsabilidades acrescidas pela sua maior pegada carbónica acumulada como também pelo que andou a fazer – e ainda andará – com a exportação do seu lixo para os países mais pobres. Pagavam, é verdade, mas isso não iliba os ricos de responsabilidades. E a compensação pelo que fizeram e pela pegada que ainda têm pode também dar um contributo para acelerar a transição para uma sociedade menos delapidadora e destruidora do planeta e mais sustentável.
Acelerar a transição energética e reduzir o uso de petróleo como matéria prima é a grande prioridade, aquela em que todas as políticas públicas se deveriam focar. Mais do que promover os carros elétricos, é preciso apostar a sério no transporte público – quando a elite política e empresarial começar a substituir o seu carro pelo comboio, metro ou autocarro estaremos no caminho certo.
Além disso, é fundamental apoiar todos os processos produtivos que se aproximem das regras do planeta que tudo transforma, que nada perde em lixo. A circularidade económica tem de ser a regra, pagando cada vez mais caro quem não o consegue fazer. E Portugal tem neste domínio um longo caminho a percorrer, registando uma das mais baixas taxas de circularidade na economia. Basta ver como ainda é organizado e recolhido o lixo em algumas zonas do país para percebermos o muito que há a fazer.
Todo este caminho exige muita coragem política, muita capacidade de se definirem prioridades, de se identificar os caminhos essenciais que produzem grandes resultados. No caso de Portugal, políticas de transporte público, medidas novas e inspiradas nas melhores práticas europeias em matéria de resíduos e sistemas de incentivos económicos, através dos preços, para consumos mais responsáveis poderiam ser mais do que suficientes para começarmos a fazer a diferença. Não, os preços não precisam de subir, podem descer. Como? Usando, por exemplo o IVA.
As manifestações em geral de jovens, justamente zangados com o planeta que os seus pais e avós lhes estão a deixar, podem parecer pouco importantes, mas são uma das formas de criar na classe política a coragem que é preciso ter para acelerar a reorganização do mundo, para passarmos, com menos dor, de uma economia que está a destruir o planeta para uma sociedade que seja também um órgão construtivo da Terra.
Caminhamos para o inferno, como diz António Guterres, aqui livremente citado. A pandemia e os desastres climáticos a que assistimos agora com grande frequência são apenas um pequeno alerta. Precisamos todos de mudar. Se queremos sobreviver. Coragem política, precisa-se.