Quem vá a Trás-os-Montes e se perca a conversar, ficará a saber, por exemplo, que em Rio de Onor já raramente neva. Plantar o que quer que seja tem a marca da incerteza. Não há neve, mas há geadas imprevisíveis. Quem sair da cidade percebe que as alterações climáticas não são uma moda de urbanitas. É um tema sério que já está a ter efeitos graves em várias regiões, mesmo em Portugal. Já não é apenas aquela imagem distante da terra gretada algures longe de nós.

As temperaturas extremas que estamos a ter neste início de Verão fazem parte daquilo que os cientistas têm previsto para o mundo, com os incêndios e tudo. Claro que podemos sempre dizer que há fogos que, em parte, resultam da nossa estrutural incapacidade de concretizar o que dizemos que vamos fazer, designadamente o plano desenhado após os incêndios de 2017 que provocaram mais de cem mortes. E com certeza que há uma parte que assim é.

Aquilo que podemos observar é que os portugueses, com medo da fiscalização e das multas – essas, sim, muito ativas – tiveram em geral a preocupação de limpar os seus terrenos. Mas o mesmo já não podemos dizer dos poderes públicos, especialmente das autarquias. Valia a pena perceber se fizeram o que deviam, porque há alguns locais em que parece que não.

Neste caso concreto, contudo, a razão fundamental parece estar nas elevadas temperaturas, associadas a um ano de seca. Tudo acontecimentos que podem encontrar razões naquilo que os cientistas andam a prever que vai acontecer ao planeta. O Acordo de Paris estabeleceu como objectivo limitar o aquecimento global a menos de 2 graus, de preferência 1,5 graus centígrados, quando se compara com a era pré-industrial. A temperatura da Terra aumentou um grau desde 1890-1900, com a subida mais acentuada a verificar-se nos últimos 40 anos, ou seja, desde a década de 80 do século XX.

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O enquadramento político para combatermos as alterações climáticas (perdoem-me se não usar a linguagem dos especialistas) está muito completo. Há documentos e documentos, conferências e encontros, os mais diversos planos e compromissos de governos e de empresas. Mas, infelizmente, há muito aquilo que nesta tribo é conhecido como “greenwashing”.

As empresas mais expostas têm explicitadas as suas estratégias para cumprirem os objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas, enquadrados nas empresas através de estratégias ambientais, sociais e de governação (ESG na sigla em inglês). Já são muitas as empresas que, percebe-se, levam esses objetivos a sério, que os consideram mais do que documentos que produzem porque assim lhes é exigido. Mas, claro, ainda há quem considere que isto é uma brincadeira de ambientalistas fundamentalistas e vá fingindo que faz sem fazer.

Ainda recentemente o HSBC viu-se obrigada a dispensar um quadro seu que na conferência “Moral Money” do Financial Times resolveu dizer que não percebia qual era o problema da subida do nível do mar. “Quem é que se preocupa se Miami ficar seis metros abaixo do nível do mar daqui a cem anos, Amsterdão está seis metros abaixo do nível do mar há anos e é um sítio muito simpático”, disse na altura. A sua suspensão foi inevitável, mas teve a vantagem de mostrar que esta preocupação com o clima é ainda mais aparente do que real.

Os gestores têm hoje de se mostrar preocupados com o desenvolvimento sustentável, mesmo que não creditem, dada a pressão da opinião pública. A geração Z, mais até do que a Y, já questiona, nas entrevistas de emprego, como são as políticas de sustentabilidade da empresa e está disposta a não trabalhar em companhias que não respeitam, pelo menos, objetivos ambientais. Numa altura em que há escassez de mão-de-obra, especialmente em algumas qualificações, as empresas têm de se preocupar com esses objetivos. Além disso, algumas têm clientes informados e exigentes. Há empresas que, se não levarem a sério os seus objetivos de ganhar dinheiro com moralidade e ética, em suma, numa perspetiva sustentável, correm risco de sobrevivência.

É também este o caminho de exigência dos cidadãos que é preciso seguir para forçar os governos a adoptar medidas que aceleram a transição ambiental. Infelizmente a guerra pode atrasar alguns objectivos, mas criou mais uma razão para a mudança: não é só a Terra que está ameaçada pelo consumo de energias fósseis, é também a segurança europeia, algo que diz mais a quem lidera.

Está em parte nas nossas mãos conseguir que todos tenham comportamentos mais sustentáveis, basta sermos mais exigentes com o Governo, a autarquia onde residimos e a empresa onde trabalhamos. Tem sido assim que se têm concretizado as mudanças. As elevadas temperaturas que enfrentamos nestes dias em Portugal podem ser uma excepção, mas o mais provável é que sejam o reflexo do aquecimento da Terra. E como diz o slogan “Não há planeta B”.