Amsterdão acaba de se tornar a primeira grande cidade a aderir ao programa de sustentabilidade mais ambicioso de sempre mas isso ainda não foi notícia em Portugal. A notícia é o confronto entre António Costa e o ministro holandês das Finanças que disputam o modo como a ajuda Europeia será atribuída, se mutualizada por todos os países como defende o primeiro-ministro através dos designados coronabonds, ou se cada será cada um por si como pretende o ministro holandês.

Esta não é a primeira vez que Amsterdão e Lisboa se confrontam na arena internacional e não me refiro à história dos “copos e mulheres” de 2017, mas ao longínquo conflito à escala global que ficou conhecido como a Guerra Luso-Holandesa. Para armar os seus navios e custear as navegações oceânicas Amsterdão inventou a primeira bolsa de valores do mundo em 1602 repercutindo na sociedade civil o esforço do empreendimento que depois seria compensada com os lucros das mercadorias que a Holanda conseguisse arrebatar da rota das especiarias dos países ibéricos unidos na época pela dinastia Filipina.

Num primeiro momento a bolsa de Amsterdão cumpriu os objectivos tendo sido mesmo uma ferramenta pioneira que colocou a Holanda na rota das especiarias e distribuiu avultados lucros pela população da república, constituindo-se como uma iniciativa da sociedade civil em oposição aos impérios ibéricos centralizados monárquicos e estratificados. Mas em poucas décadas os negócios especulativos sobre os produtos derivados (acções) ultrapassaram os rendimentos obtidos com as especiarias e todas as mercadorias propriamente ditas e a bolsa tornou-se uma fonte de colapsos. Neste contexto sobressaía ironicamente a comunidade de judeus portugueses em fuga das Inquisições ibéricas, que em menos de cinquenta anos dominava a bolsa de Amsterdão.

Quatrocentos anos depois a comunidade de Amsterdão volta a ser pioneira e implementa um novo modelo de desenvolvimento socioeconómico colaborativo mas agora de matriz ecológica porque já aprendeu que os recursos naturais são finitos e os equilíbrios frágeis. Esquematicamente representado como um dónut (doughnut em inglês) o modelo inclui agora as necessidades da sociedade limitadas num círculo interior pelos recursos do Planeta delimitados por um círculo externo.

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Esta visão de Amsterdão continua a ser global, propondo-se a lidar com os problemas gerados pelas cadeias de distribuição que descarregam no seu porto como o cacau africano, mas sem descurar impactes locais como os da agricultura hiperintensiva holandesa que acidificam os solos da região. Neste momento desconhecemos se esta abordagem da cidade de Amsterdão irá vingar e expandir-se a nível global como antes vingou o capitalismo ou se será trucidada pelo próprio sistema político nacional que posicionou a Holanda na Europa e no Mundo como um paraíso fiscal legal, para onde se refugiam todos os impostos sobre capitais.

Por cá também desconhecemos se Lisboa se tornará uma verdadeira Capital Verde Europeia ou se sucumbirá pela teimosia na manutenção de um aeroporto urbano e pela sua replicação num dos estuários mais importantes da Europa!

Não sabemos se o Primeiro-Ministro Português se irritou mesmo com a posição da Holanda ou se apenas descarregou a sua impotência em cobrar os impostos sobre os capitais das grandes empresas nacionais que para lá fogem. Seja como for, esperemos que a posição de Costa e dos países do sul vença o Conselho Europeu e obrigue o projecto Europeu a incluir todos os seus Estados-Membros.

Esperemos que esta pandemia passe depressa! Não apenas a pandemia sanitária que se abate tragicamente sobre toda a população humana, mas sobretudo a tragédia com que a humanidade devora todo o planeta e altera todos os equilíbrios apenas para alimentar uma sociedade extractiva e insaciável.

Esperemos que este impasse se transforme num momento de verdade e permita distinguir o essencial da natureza humana. Porque quem só agora viu o azul do céu e sofreu todo o confinamento certamente descobriu que as nossas verdadeiras aspirações são afinal sociais e ambientais.