Em entrevista ao Expresso, o primeiro-ministro abriu a porta a um entendimento pós-eleitoral entre PSD e PS. Mas, no mesmo dia, António Costa fechou-a: “ou nós ou eles”. Do seu lado, Cavaco Silva apela a que se evitem crispações que prejudiquem soluções governativas pós-eleitorais.

Tal como o Cavaco Silva, quase ninguém levou a recusa de António Costa a sério. Afinal, em ambiente de pré-campanha eleitoral, é natural que o líder socialista repudie a ideia de um bloco central – porque ambiciona uma maioria absoluta e porque aceitar essa hipótese levaria a uma fuga de votos para os partidos à sua esquerda. E caso os resultados eleitorais encaminhem nesse sentido, acredita-se que António Costa será forçado a aceitar o tal bloco central. Nem que seja face à situação do país, que pede responsabilidade e um governo estável. Nesse contexto, optar por uma solução minoritária (algo que o Presidente da República já criticou) teria inevitáveis custos políticos.

Mas consideremos a possibilidade que ninguém considerou: e se António Costa estiver a falar a sério e não existir qualquer fantasma de bloco central? Ou, visto de outra forma, se a única hipótese para o PS formar um governo maioritário for um bloco central com o PSD, há alguma razão para levar António Costa a preferir um governo minoritário? A resposta é simples: sim, há. Pesados os prós e os contras, um bloco central poderá ser mais prejudicial para o PS do que governar sem maioria.

Há pequenas razões para ser assim. As pessoas tendem a não gostar de blocos centrais – em Portugal, fala-se depreciativamente de “centrão” – na medida em que diminui a escolha dos eleitores e a alternância política. De resto, os blocos centrais só são tolerados (e desejados) em tempos de crise, algo que, sem troika e com a economia em recuperação, já não é tão evidente para os portugueses que seja esse o nosso caso.

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Mas há sobretudo uma razão principal: a participação do PS num bloco central, governando com um partido que defendeu as políticas de austeridade, simbolizaria a aceitação de que os socialistas não constituem uma alternativa política viável. E isso destruiria o PS. Num momento em que se exigem alternativas e se assiste a uma fragmentação partidária à esquerda (Livre, Agir, PDR), um bloco central representaria o fracasso do PS, logo quando as expectativas estão mais elevadas. António Costa pode ser muita coisa, mas nunca será o carrasco do seu próprio partido.

Para quem pensar que este é um mero cenário teórico, basta olhar para o que aconteceu na Grécia. Num contexto da crise financeira e austeridade, a participação do PASOK (o PS grego) numa coligação governamental com a Nova Democracia (o PSD grego) abriu caminho ao Syriza e destruiu o partido – o PASOK passou de 44% dos votos (2009) para 13% (2012) e, finalmente, para apenas 5% (2015).

Quem ainda achar que é só teoria, veja o que está a suceder ao SPD (o PS alemão), que obteve em 2009 (23%) e 2013 (26%) os seus dois piores resultados eleitorais desde 1949. E que, governando em coligação com o partido de Merkel, não se consegue afirmar e tem caído ligeiramente nas sondagens (actualmente, para os 24%). Tudo enquanto a CDU de Merkel está firme nos 41%.

Portugal não é a Grécia e ainda menos é a Alemanha. Mas se a Eunice Goes tiver razão – e os blocos centrais forem uma sentença de morte para os partidos – António Costa poderá confrontar-se com um grande dilema: fazer parte de uma solução governativa maioritária pode pôr em risco o seu partido. Ora, não se sabe se o líder socialista está a falar a sério quando afirma “ou nós ou eles”. Mas, vistas as coisas deste ângulo, o mais certo é que esteja.