1 Contra a história do PS, António Costa decidiu em 2015 negociar uma maioria parlamentar com o PCP e com o Bloco. Dois partidos que apoiam regimes políticos não democráticos. Dois partidos que têm as suas origens nos movimentos totalitários comunistas do século XX. Dois partidos que são contra a participação de Portugal no Euro e na Aliança Atlântica, os dois pilares centrais da política externa portuguesa. Costa disse aos portugueses que era necessário trazer o PCP e o Bloco para o “arco da governação.” Essa maioria parlamentar deu ao PS o poder e a legitimidade para formar o governo.
Cinco anos depois, há uma situação semelhante. O PS ganhou as eleições regionais dos Açores, mas sem maioria, nem somando os votos dos outros partidos as esquerdas. Do outro lado, os partidos de direita juntos gozam da maioria parlamentar açoriana. Para os socialistas, o problema é o Chega apoiar essa maioria de direita. Devemos assim perguntar, por que razão o Chega não deveria participar em maiorias parlamentares? O argumento socialista diz-nos que o Chega é um partido anti-democrático. Aliás, não poderia haver outro argumento visto que somos uma democracia pluralista e, assim, nenhum partido pode ser excluído pelas suas ideias, desde que respeite os princípios democráticos. Vamos então comparar os atributos democráticos do PCP e do Bloco, de um lado, e do Chega, do outro. Já alguém ouviu o Chega defender regimes totalitários, como o PCP defende a União Soviética? Já alguém ouviu o Chega defender ditaduras como a Coreia do Norte, Cuba ou a Venezuela, como fizeram o PCP e o Bloco? Já alguém ouviu o Chega atacar a participação de Portugal no Euro ou na Aliança Atlântica, como fazem os bloquistas e os comunistas?
O Chega é um partido populista e nacionalista, mas não é anti-democrático. Aliás, as suas raízes são inteiramente democráticas e cresce politicamente através de eleições. Pessoalmente, não me revejo nas ideias nem no discurso do Chega. Não tenho qualquer simpatia pelas doutrinas nacionalistas e protecionistas. Sou um emigrante há cerca de quinze anos e, obviamente, sou contra os discursos anti-imigração. Mas seria absurdo incluir partidos como o PCP e o Bloco no “no arco da governação” de uma democracia liberal, e excluir o Chega.
O ataque de Costa a entendimentos entre o PSD e o Chega não tem nada a ver com valores políticos nem com a democracia. É apenas uma estratégia de poder. Para Costa, o PS goza do direito de liderar toda a esquerda, mas o PSD já não pode unir toda a direita numa maioria parlamentar. Supostamente, deveria haver umas regras para o PS, e outras para o PSD. Quando Costa iniciou a revolução das regras políticas, em 2015, deveria ter percebido que um dia ela seria usada contra o PS. Esse dia chegou.
Como salientou muito bem o Luís Rosa, aqui no Observador, Costa também sabe negociar com populistas e nacionalistas, como fez com Orban. Para choque dos deputados europeus da bancada socialista em Bruxelas, Costa foi a Budapeste dizer a Orban que os fundos europeus não devem estar associados ao estado de direito, como defende o PM húngaro. O que de resto não é surpreendente se nos recordarmos do modo como o PS trata a PGR e o Tribunal de Contas.
Costa também usou o exemplo espanhol para atacar o PSD, afirmando que em Espanha o PP repudia o Vox. Mais uma vez, o PM português usa a realidade de um modo selectivo. O PP chegou ao poder na Andaluzia com o apoio parlamentar do Vox. A comparação certa é entre a Andaluzia e os Açores. Não é entre a estratégia nacional do PP e as coligações do PSD nos Açores. Na política nacional, o PSD também irá combater o crescimento eleitoral do Chega e atacar o seu líder. São as regras da política. O que Costa nunca referiu, nas suas apreciações sobre a política espanhola, foi o facto do PSOE ter feito uma coligação governamental com um partido, o Podemos, cujo líder já lamentou em público a queda do Muro de Berlim, dizendo que tinha sido má para o mundo e para a Europa. Pablo Iglésias tem saudades da Cortina de Ferro, da União Soviética e das ditaduras comunistas. Mas o PM nisso não repara.
No mundo ideal, o PSD, o CDS e a IL teriam maioria absoluta juntos. Mas parece-me que Portugal se está a afastar do mundo ideal. Ora, a política serve para responder a circunstâncias que estão longe de serem as ideais. Numa fórmula mais simples, a política é a arte do possível. Se nas próximas eleições legislativas, o PSD precisar do Chega para ter uma maioria parlamentar e chegar ao governo, o que deverá fazer? Um entendimento com o partido de Ventura ou deixar o PS continuar no governo? Esta é a questão política decisiva. Não é uma questão académica. Aparentemente, também há algumas pessoas do centro direita que concordam com Costa e acham que o PSD e o CDS nunca devem negociar com o Chega. Se isso um dia acontecer, e o PS continuar no governo, será o caminho mais rápido para o Chega crescer eleitoralmente, e não será pouco. Mas deixo uma sugestão a essas pessoas do centro direita. Para serem coerentes, devem comprometer-se a nunca participar numa maioria autárquica que precise do Chega, ou num governo do PSD e do CDS apoiado pelo Chega no parlamento. A adesão a princípios vale quando há custos individuais, e não quando se procura conquistar popularidade de um modo fácil.
2 Num artigo no Público, Rui Tavares também critica Rui Rio, dizendo que Merkel recusou uma coligação com o AfD num Lander alemão. É verdade, mas a memória de Rui Tavares é igualmente selectiva. Não se recorda que na mesma Alemanha, o SPD (da família socialista) recusou entendimentos com o De Linke (a extrema esquerda alemã) a nível nacional, ao contrário do que fez o PS com o PCP e com o Bloco.