Parece-me que a mensagem é absolutamente, inequivocamente, tristemente clara: para este governo, o combate à corrupção é tão importante quanto o combate à subida da temperatura nos ninhos de formigas em Totonicapán, na Guatemala.

Na quinta-feira, ficámos a saber que o Mecanismo Nacional Anticorrupção, organismo que deve fiscalizar o cumprimento das regras do Regime Geral da Prevenção de Corrupção, continua paralisado, não tendo ainda a plataforma informática que lhe permitirá, um dia destes, quando Deus quiser, começar a trabalhar. A 6 de junho, o Ministério da Justiça deu a garantia de que todos os problemas estavam resolvidos, mas bastou falar uns minutos com o juiz conselheiro Pires da Graça, presidente do Mecanismo, para perceber que nada mudou e tudo está na mesma — ou seja, parado.

No dia seguinte, descobrimos que a Entidade para a Transparência, outro novo mamute do combate à corrupção, está ainda sem instalações para fazer o seu trabalho de fiscalização dos rendimentos dos políticos e de titulares de altos cargos públicos. Depois de ter sido enviado para um palácio em Coimbra, onde ficará convenientemente longe daqueles que vigia, a Entidade para a Transparência mantém-se sem acesso a água, luz e internet, como se estivesse presa numa cadeia sul-americana dos anos 70.

E na sexta-feira, ao fim de semanas e meses de polémicas desvalorizadas e mal explicadas, o até então secretário de Estado da Defesa, Marco Capitão Ferreira, apresentou a sua demissão depois de, às 7h da manhã, ter sido constituído arguido por suspeitas de corrupção e participação económica em negócio. O facto de se ter mantido no cargo durante tanto tempo mostra o confrangedor ponto a que chegou a pusilanimidade do governo e a indiferença do PS: um secretário de Estado de um ministério tão delicado como o da Defesa só abandonou a cadeira quando a polícia, literalmente, lhe bateu à porta.

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Pior: mesmo com o Ministério Público a tocar-lhe à campainha, Marco Capitão Ferreira saiu do governo apenas porque, por iluminação divina ou bom senso, decidiu, ele próprio, fazê-lo. Caso contrário, continuaria alegremente e tranquilamente a gerir o dinheiro público. É que, segundo o Observador foi informado, “não há nenhuma alteração de doutrina” da parte do primeiro-ministro: António Costa continua a achar que um arguido, mesmo que seja suspeito de corrupção, pode manter-se em funções até que se passe à fase da acusação. Ou seja: por ele, o ex-secretário de Estado continuaria hoje a ser secretário de Estado, como se a passagem à condição de arguido fosse semelhante a uma crise de soluços.

Pior ainda: o discurso público do primeiro-ministro é de desvalorização deste caso. Além de afirmar o óbvio — que a justiça “deve funcionar” —, António Costa achou que a melhor coisa que poderia fazer no dia a seguir a este acontecimento grave era desconversar. Perante as perguntas dos jornalistas sobre mais uma saída do seu governo, afirmou, beatamente: “Sem querer diminuir o que preocupa muitos comentadores, eu sinceramente o que sinto que preocupa as pessoas são temas bastante diferentes. Ando na rua e ouço o que as pessoas dizem e tem muito pouco a ver com esses assuntos”.

É uma posição surpreendente. Naturalmente, Marco Capitão Ferreira terá o direito a defender-se e ninguém sabe como acabará este processo. Mas aquilo que sabemos neste momento e que é impossível de ignorar é que um governante foi constituído arguido por suspeitas de corrupção. Sendo público que um ex-líder do PS que o partido levou ao cargo de primeiro-ministro foi investigado por corrupção e está ainda acusado de branqueamento de capitais e falsificação de documentos, isso devia ser suficiente para que António Costa entendesse ser sua obrigação passar à sociedade a mensagem de que leva muito a sério a prevenção e o combate à corrupção.

Mas a mensagem de António Costa é outra, totalmente diferente. O Mecanismo Nacional Anticorrupção não tem sistema informático, a Entidade para a Transparência não tem água nem luz e o governo, como se vê, não tem vergonha — não tem vergonha de ver um dos seus membros a sair apressadamente de funções porque a Justiça lhe entrou em casa às primeiras horas da manhã. Perceberam a mensagem?