Mars Desert Research Station, Hanksville, Utah (EUA) — As constantes complicações de equipamentos continuam a não perdoar. Ontem, antes e durante as EVA [atividades extraveiculares] detetámos problemas com vários fatos de exterior, e o nosso engenheiro alemão não consegue tolerar peças pouco funcionais. Depois de uma bateria de contactos entre ele, o Controlo Terrestre, e a engenharia, concluiu-se que ele testaria e repararia todos os que conseguisse, um a um. Como tal, não vimos o engenheiro Werner o dia inteiro.
A oficina RAM é gélida, portanto, ninguém o visita quando lá está. Do lado oposto da estrutura, a estufa sobe aos 45 graus húmidos, o que é ótimo para as pequenas plantas que aí crescem. A mestre-jardineira Kay Sandor passou a manhã inteira a fazer uma avaliação preliminar e a organizar o espaço como prefere, auxiliada pela Aga, cuja especialidade artística é um híbrido que extravasa as fronteiras da arte e entra no espaço da agricultura, fermentação e bacteriologia.
De tarde, o engenheiro e o chefe de segurança desapareceram uma vez mais, e todos nós desconfiamos que os cenários de emergência em Marte de que ouvimos falar — um incidente de radiação solar, um par de incêndios na estação, uma rutura nos túneis, um acidente nos reatores nucleares, um ferido durante uma EVA — estarão em vias de ser implementados, de surpresa, a qualquer hora do dia ou da noite…
Na vertente logística e operacional, eu e a comandante Robinson decidimos agarrar o touro pelos cornos e forçar uma simulação estrita. Começando pelo toiletgate: desde a última tripulação que tem havido problemas com a sanita seca usada na estação, e que a equipa local tem tentado substituir quando pensam que não estamos a olhar. Mas estamos, e como a validade do nosso estudo de comunicação por latência requer que nos sintamos isolados, decidimos decretar que não queremos uma sanita nova.
Na realidade, o balde de água que está a ser usado tem-nos permitido poupar imensa água no depósito interno, um dos quatro sistemas de abastecimento de água que usamos. O engenheiro anda felicíssimo, e diz que temos poupado pelo menos 20 galões por dia em relação à tripulação que nos antecedeu. O que nos faz chegar ao ponto mais importante: os banhos. Ao fim de quatro dias, ninguém tomou banho, e chegou a hora de abordar esta necessidade.
A comandante e a Aga estavam mortas por lavar o cabelo, pelo que concordámos que seriam as primeiras. Quando digo banho, falo em dois minutos de água corrente — com a água usada a ser reutilizada para o sanitário. Como resolvemos continuar a usar o balde, temos maior controlo sobre o fluxo, e por conseguinte temos dois minutos de banho, em vez de 60 segundos. Parece que foi suficiente, porque emergiram ambas felicíssimas. Quando a mim, surpreendentemente, ainda não me fez falta o banho, pelo que concordei em usufruir dos privilégios no terceiro turno, sexta-feira (Sol 5).
Decidimos que este seria um dia de descanso e focalização. Tocámos música, jardinámos, lemos, cozinhámos. Eu passei a tarde inteira na redoma científica, que é muito fria, mas também muito sossegada e tem a melhor vista de toda a estação. Regressei ao fim da tarde, já escuro, quando me acabou a bateria e comecei a tremer de frio. Nas minhas mãos, tinha o horário para o resto desta semana finamente definido, o que nos permitiu cimentar o processo de autonomização na última reunião do dia.
Comemos latkes deliciosos feitos pelo engenheiro ao almoço e ao jantar tivemos um verdadeiro banquete: restos de paprikash com puré de batatas desidratadas e um brownie com geleia de framboesa desidratada e creme. Quem disse que temos que comer mal em Marte?
Durante o jantar, ouvimos o engenheiro falar em alemão pela primeira vez: “Ach, Alice, was machst du in meinem Zimmer, dann?” (“Alice, o que é que estás a fazer no meu quarto?”). Montámos uma nova ratoeira com manteiga de amendoim, mas não a vamos poder libertar, porque estamos em Marte. Portanto, acho que temos um rato do deserto de estimação! O engenheiro dormiu no loft, o quarto do sótão.