Grand Junction, Colorado (EUA) — Comecemos por esta dor de cabeça insuportável. Não, não tomei copos a mais. Aliás, tenho bebido mais água do que um camelo, mas o pouquíssimo álcool da festa de Ano Novo, o muito café (que desidrata, já sei, mas sem o qual não sobrevivo), o défice de sono, algum jetlag e a altitude combinam-se todos num latejar nas têmporas que não me deixa sossegado há dois dias. O ibuprofeno não tem ajudado.
Pode ser isso, ou pode ser o stress e a ansiedade que se vão acumulando à medida que a nossa data de partida se aproxima. A partir das 7 horas de amanhã (14 horas de Lisboa), silenciamos todas as comunicações. A partir desse momento, deixamos de usar os nossos e-mails habituais e passamos a usar e-mails específicos para a missão, para assim limitarmos o fluxo de conteúdo e o uso da internet. Ainda temos pela frente dois dias de treino na estação, fora de simulação, mas convém já nos irmos habituando às coisas essenciais, como os limites de comunicação.
Temos um modesto total de 500 MB por dia, para utilizar em todas as necessidades científicas e de divulgação da missão. Aí se incluem o meu envio de crónicas diárias ao Observador, que está a cobrir a missão, e o meu relatório jornalístico diário à Mars Society; as sessões de comunicação com latência pelo sistema da Braided Communications com o Bhargav Patel, Engenheiro de Comunicação e Sistemas a gerir isto desde a Índia; o envio de inúmeros relatórios quotidianos pelos outros membros da tripulação; e todos os contactos com o Controlo Terrestre e o Capcom — jargão para Capsule Communication, isto é, o astronauta na Terra designado pelo contacto direto connosco. É muita coisa para uma internet lenta e limitada. Como em Marte, presume-se.
Outra coisa a que me tenho tentado habituar é a temperatura interior. No meu quarto estão 70 graus Fahrenheit (21,1 graus Celsius), precisamente a temperatura do habitáculo da MDRS durante a noite. Por ser inverno e as temperaturas no planalto desértico do Utah oscilarem entre os menos 5 e os menos 15 ºC, não podemos alterar esta configuração, para não correr o risco de ter canos congelados e um engenheiro irritado.
Falando no engenheiro… São 16h23 e o nosso veículo devia ter sido entregue às 15h00 em ponto pela tripulação #236 (da Universidade de Purdue, no Indiana), acabada de regressar do Utah. Para o recolher, mandámos o nosso engenheiro, Simon Werner, que é alemão, e o nosso condutor designado e chefe de segurança e saúde, Robert Turner, que vem do Tennessee. Ou seja, um país pontual e um estado, digamos assim, de índole quase-alentejana.
Do Robert não ouvimos nada. Do Simon, temos 83 mensagens a queixar-se do atraso insuportável. Foi dos Zero a Alemão no espaço de um minuto e não se calou desde então… por WhatsApp, que dá para desligar, felizmente. Atualização: são 16h25 e a tripulação #236 finalmente chegou. Desejo-lhes sorte com a conversa que os espera.
Estamos, portanto, uma hora atrasados para a nossa Festa de Engomar, o evento oficial em que aplicaremos as bandeiras, etiquetas com nomes, posições e emblemas da MDRS e da tripulação nos macacões de uso interior e exterior. É a cerimónia mais ou menos oficial dos Magnificent 7 — ou 6 —, o nosso nom-de-plume.
Enquanto o fazemos, vamos bebendo um último gole de espumante, que na estação já não há. E vamos aproveitar para nos testarmos uns aos outros sobre o conhecimento do calhamaço que temos que estudar para os nossos testes individuais e coletivos na segunda-feira. Com menos de 80% de sucesso não entramos. No pressure at all.