Sem água e sem electricidade durante dias seguidos. Com boa parte da população a deixar o território. Não, não é Gaza. É Cuba.

Sim, a terra que nos garantiam representar uma alternativa ao nosso modo de vida; a ilha cujos governantes revolucionários eram ouvidos na Europa como se fossem messias; o modelo económico que tinha resolvido os problemas que aqui nunca se ultrapassariam, sim, Cuba, está viver uma situação de degradação estrutural.

Os habituais apagões da rede eléctrica já não se limitam às dez horas diárias e podem, como aconteceu recentemente, prolongar-se por vários dias. A quase crónica escassez de produtos alimentares agravou-se – em Setembro, a imprensa anunciava como se fosse uma coisa extraordinária que iam ser distribuídas as porções racionadas de arroz respeitantes a Agosto mais os feijões de Junho. Entretanto por falta de farinha o pão ficou mais pequeno e também mais caro. Chegou-se ao paradoxo de haver escassez por não se conseguir distribuir por toda a ilha aquilo que nela se produz como são os casos do açúcar e do sal. Em Fevereiro deste ano soube-se que Cuba pedira ajuda alimentar às Nações Unidas: em causa está o abastecimento de leite para os menores de 7 anos. A falência da cadeia de abastecimentos e a debilidade das infra-estruturas levou a que o próprio turismo em que o regime apostara esteja agora em queda. Não por acaso desde 2021 Cuba vive uma gigantesca vaga migratória.

Tudo isto tem passado sem alarido neste lado de cá. Até episódios como o de Santana Novoa mal foram noticiados. Santana Novoa, vice-ministro do Trabalho e Segurança Social de Cuba, saiu da ilha para ir ao México participar num encontro de seu nome I Conferência Técnica das Comissões Americanas de Segurança Social que teria lugar em Setembro.

Santana Novoa discursou, defendeu os sucessos do regime cubano nesta área e quiçá em todas as outras e depois desapareceu. Ou melhor apareceu mas não em Cuba. Santana Novoa foi até ao Arizona e pediu asilo político nos EUA.

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O vice-ministro do Trabalho e Segurança Social de Cuba foi mais um a juntar-se às centenas de milhar de cubanos que nos últimos anos deixaram a ilha. A maior parte fazem como Santana Novoa e vão para os EUA ou melhor dizendo fogem para o capitalismo. O México e o Uruguai são outros dos destinos. Ou a Europa. Há dias o El País dava conta do êxodo de jovens músicos cubanos para Barcelona. Como de costume logo apareceu um artista-activista a chamar “gusano” (verme) a um desses músicos. Mas ficou mais ou menos sozinho porque os activistas hoje fogem ainda mais de Cuba que os cubanos.

Perante o descalabro que hoje se vive em Cuba as vozes que noutro tempo teriam vindo de imediato para o espaço público e publicado bradar contra o bloqueio norte-americano calam-se. E não, não se calam por terem tido um ataque de seriedade e finalmente reconhecerem que o embargo norte-americano não impede Cuba de fazer comércio com o resto do mundo. Ou que o modelo económico cubano nunca funcionou tendo vivido pendurado na URSS, depois na Venezuela, depois na Rússia… e que agora porque a Venezuela ela mesma está em crise e a Rússia em guerra, Cuba não pode contar com os apoios de outrora.

Mas seria esperar demais que os activistas do anti-imperialismo agora se explicassem. Também temos de admitir que não têm tempo. Afinal andam entretidos a contar os camiões de ajuda alimentar a Gaza, a clamar contra o “genocídio” dos palestinianos e literalmente a ver navios não vá dar-se o caso destes estarem a transportar mercadorias para Israel.

Sim, é verdade. Em 2024, Cuba a carismática estrela da resistência ao imperialismo já não interessa a ninguém. Os seus outrora militantes trocaram a t-shirt do Che pelo lenço palestiniano.

Mas há coisas que nunca mudam. A primeira é a atitude de superioridade moral com que estes activistas se apresentam perante os demais. São uma espécie de beatos laicos da causa do momento. Em cada pergunta vêem uma heresia.

A segunda leva-nos ao tapete vermelho que nas redacções, universidades  e organizações várias se estende a cada um que apareça vociferando contra uma terrível atrocidade praticada pelo mundo ocidental. Ontem era o embargo norte-americano a Cuba. Agora é a intervenção em Gaza. Ontem era a exploração do homem pelo homem. Agora é a exploração das mulheres pelo heteropatriarcado…

A terceira é a forma como em cada nova causa os activistas ressurgem como se nunca cá tivessem estado, sem se interrogarem (ou serem interrogados) pelas atrocidades que defenderam, pelas mentiras que disseram e pelos ditadores que ajudaram a tornar-se apresentáveis perante o mundo.

Antes gritavam “Revolución o muerte venceremos”. Agora soletram “From the river to the sea”. Amanhã outra melodia soará. E como sempre a nova palavra de ordem fará esquecer as anteriores. Em conclusão, coitados dos povos que se deixam levar por eles.