1 O país parece não estar muito interessado na decência. Os poderes ignoram-na, os políticos não a praticam, as instituições não a cuidam, os portugueses não se inquietam. As mais deprimentes exibições políticas são publicas ou publicitadas e não há indignação? Todos os sinais da agonia de um regime estão acesos e ninguém se aflige? Agora é de eleições que se trata, falemos de eleições… o que lá vai, lá foi?
Eis o que misteriosamente (já?) lá foi: porque é que o primeiro ministro se demitiu? Ao contrário da vox-socialista ainda em vigor não se trata de saber porque é que o Presidente da República dissolveu o parlamento mas porque que é o primeiro ministro se demitiu. Não se troquem os palácios: as coisas começaram em S. Bento e não em Belém. A pergunta – fulcral – mantém-se envolta em nevoeiro: porque é que o primeiro ministro se demitiu? (evocando a expressão “processo-crime, ainda para mais, que só ouviríamos depois a Augusto Santos Silva e que eu me tenha apercebido a mais ninguém?).
2 Caminhamos por um fétido nevoeiro. Teria por exemplo que ocupar muito espaço a listar as vezes, tantas foram, em que as mais altas, médias e baixas figuras do PS se têm ocupado nos últimos tempos a cavalgar a Justiça: duvidando, comentando; recomendando gestos e exigindo prazos; “sugerindo” até (só sugerindo?) arquivamentos. Para quem anda sempre, sempre, sempre a manipular-nos com “à Justiça o que é da Justiça, a política o que é da política”, nunca tendo tido uma relação nem democrática, nem livre com ela, antes a pressionando e usando, o comportamento socialista é o maior fornecer de dinamite do regime e do que dela resta do regime. Mas só quem é distraído por natureza não reparou que a Justiça está no guião socialista há pelo menos duas décadas: fazer de conta que nada aconteceu, nada foi, é com eles)
3 Desta vez a corrida é obviamente difícil. E vem antes do tempo socialista desejado. No Largo do Rato, apesar das trombetas da glória, o ar estar rarefeito, o presente é escorregadio, o futuro incerto. Há ainda muito por saber no caso “Influencer” e no desenrolar das investigações, além de que o PS sabe bem (é da natureza das coisas) que os ciclos têm inexoravelmente um fim e que a vontade de mudança pode ser imperiosa: mudar de clima, de protagonistas de moradas políticas, de modus operandi.
Talvez por isso, concerteza que por isso, ultrapassam-se algumas linhas, seja de que cor forem. Tem de valer tudo. Não se olha a meios, os que couberem na rede da propaganda serão garantidamente usados daqui a ate Março, a começar pelos do Estado.
A operação já começou: veja-se se agora o Orçamento, transformado numa árvore de Natal, cheia de bolas e fitas. Num gesto “largo e moscovita” o orçamento tornou-.se subitamente frendly para todos e em especial para alguns. Usam-se as instituições (a estilhaçarem-se diante dos nossos olhos aflitos), usa-se a Justiça. E a media, as sondagens, a manipulação, a intriga. O que for preciso. Ah e o Chega, claro, sempre ele, André Ventura há-de estar-lhes gratíssimo: a cerrada marcação (no fundo, uma muito meticulosa encenação) de Augusto Santos Silva a Ventura meteu o Chega num elevador potente. Deo Gratias PS. Sem surpresa o feitiço virar-se-á contra o feiticeiro: ou muito me engano ou o PS pagará a factura do elevador.
4 E no entanto… os governos de António Costa foram capaz de um feito notável: ter convencido parte considerável dos portugueses de que durante oito anos, governavam o país, em vez de exactamente o contrário (de que grande reforma nos lembramos, em que sector se avançou, estamos a enriquecer ou a empobrecer?)
É certo que escassos meses depois da obtenção da maioria absoluta a percentagem desses votos já se despenhava para valores bem mais modestas, mas mesmo assim. A herança socialista, é patriótico lembrá-lo, esta atarraxada a uma certeza: o governo não reformou, não desenvolveu, não melhorou, não cresceu. Um excedente orçamental sendo bom pode ser nada quando falta quase tudo.
O governo não cuidou que o SNS funcionasse com utilidade, racionalidade e proveito dos mais desmunidos; que os alunos tivessem professores para se cumprisse a escola; que os filhos pudessem arrendar casa e passassem eles a pais em vez de só filhos; que a Justiça fosse mais ágil, mais séria, mais rápida. Mais útil, numa palavra. O governo não se interessou por ai além com a iniciativa privada, o empresariado, as empresas, as exportadoras e as outras, pequenas ou médias. Ou não se interessou o suficiente. Faltou o estímulo e o reconhecimento. O pouco valorizados que foram é inversamente proporcional ao quanto se lhes deve. O governo não atendeu: os índices de pobreza lembram o quarto mundo, os sem-abrigo (oh quantas promessas vindo do alto), duplicaram ou triplicaram. Haveria mais, não é preciso
Haveria, isso sim, a questionável qualidade moral dos políticos (?) a que o Primeiro Ministro recorreu num muito incompreensível entendimento do que é servir: conseguem confundir hoje mais que ontem e quem sabe talvez menos que amanhã.
5 Augusto Mateus, que sempre prezei, fez no último Expresso (último até à próxima sexta-feira), uma excelente síntese, brevíssima, helas, sobre o legado socialista dos últimos oito anos.
Com a devida vénia aos dois, Mateus e Expresso, eis algumas linhas:
“O ainda governo agarrou na economia numa fase de recuperação, os resultados são profundamente modestos naquilo que é mais positivo, e muito pouco aceitáveis naquilo que é mais negativo.” (…) “Portugal é a única economia da União Europeia que investiu sempre menos no século XXI do que o máximo que tinha investido no século XX”. (…) E apesar “das decisões responsáveis em matéria de finanças públicas, o balanço é muito negativo”.
São alguns excertos de um excelente e muito lúcido economista. (O melhor será ler tudo: “Caderno de Economia”, página 15.)
É gente boa, séria, preparada, lúcida, gente como Augusto Mateus que falta. Imensa falta.
6 Apesar da herança socialista, apesar do mau tempo sobre o canal da governação, apesar do péssimo clima económico no país (crescer um-vírgula-qualquer-coisa em 2024 é número que se apresente sem vergonha?), apesar do desastre dos serviços públicos, apesar de comportamentos pouco recomendáveis, há – de forma quase geral – uma assimetria na media que espanta qualquer ser normalmente constituído: continua a projectar-se sobre o PS um permanente halo vitorioso, ao mesmo tempo que sobre o PSD a luz do halo se desvia permanentemente para a dúvida – será o PSD capaz? Capaz de encontrar o seu espaço (?) Capaz disto e daquilo? – numa espécie de obsessiva “perseguição” a cada verbo ou gesto de Luís Montenegro, logo considerado negativamente, sejam o verbo e o gesto de que natureza forem.
Para quem não reparou, já não se está aí. O que tem de ser tem muita força.