A Educação constitui um valor universal com garantia política e jurídica de protecção e promoção constitucional nas democracias liberais de tipo ocidental.

Profundamente ligado à dignidade da pessoa humana, o valor universal da Educação exibe-se como um baluarte da visão personalista dos Estados que perspectivam as respectivas comunidades como integradas por homens e mulheres livres, capazes de decidirem com autonomia e de construírem os seus percursos de vida com fundamento numa ética da liberdade individual e da responsabilidade pessoal.

Considerada a natureza da sua imediata dependência ontológica face à condição de Pessoa Humana, a Educação, para poder efectivamente ser um valor orientador do livre desenvolvimento da personalidade, concretiza-se, desde logo, em duas dimensões político-jurídicas e (também) práticas extremamente importantes: o Direito a Aprender e o Direito a Ensinar.

O Direito a Aprender e o Direito a Ensinar são, por isso, as concretas realidades sobre as quais a pandemia covid-19 projecta as suas directas consequências. É redutor, assim, no nosso juízo, declarar que a pandemia covid-19 está a mudar a Escola, pois, na verdade, não se esgotando o Direito a Aprender nem o Direito a Ensinar – nem na sua titularidade nem no seu exercício – no espaço Escola, os efeitos pandémicos estão, outrossim e prima facie, a provocar fissuras na actual estrutura social e, em particular, precisamente por ser nuclear, na Família.

Basta dizer que, num primeiro momento, o congelamento do exercício do Direito a Aprender e do Direito a Ensinar gerado pela pandemia covid-19 colocou os alunos e os professores em casa e junto das correspondentes famílias, e que, num segundo momento, o seu reactivar, através da introdução de alguns instrumentos de ensino à distância, levou a Escola para dentro do reduto físico e do contexto interpessoal do relacionamento familiar.

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Muda a Família, muda a Escola e muda também a esfera relativa de cada um dos sujeitos titulares do Direito a Aprender e do Direito a Ensinar, ou, se preferirmos, do Direito à Educação e da Liberdade de Ensino. A tendência para a digitalização do ensino acelerada pela pandemia covid-19 e a intensificação da intermediação electrónica da relação professor vs. aluno impõem uma paulatina reconfiguração dos termos e das condições do exercício daqueles dois direitos por parte dos alunos e dos professores, claro, mas também do tempo e do modo que a instituição Família dedica ao valor Educação.

Este é já um tempo no qual indiscutivelmente podemos dizer que a pandemia covid-19 veio colocar desafios vastos e complexos às democracias e aos seus poderes.

Na Educação, as políticas públicas vão ter de definir novos modelos para o enquadramento do ensino à distância e para a valorização dos mecanismos de auto-aprendizagem, sem que tal implique a desvalorização da relação directa e presencial entre alunos e professores no espaço físico da Escola. Arrancando do pressuposto basilar do papel fundamental da Família na Educação das crianças e dos jovens – a Constituição da República Portuguesa fala mesmo em “insubstituível acção” (artigo 68º, nº1) –, as democracias covid-19 devem reforçar os apoios à conciliação da vida familiar com a vida profissional, o que imporá um acervo de medidas que não se limitem ao universo sectorial da política de Educação, mas que, pelo contrário, se estendam, por exemplo, às políticas laborais.

Intervir democraticamente sobre o Direito à Educação e a Liberdade de Ensino na objectiva realidade covid-19 exigirá também um novo olhar sobre a vexata quaestio da relação (e responsabilidades) escola pública vs. escola privada na (re)configuração dos sistemas educativos, o qual poderá determinar o desenho e a aplicação de medidas de natureza social e (ou) fiscal.

O Direito à Educação e a Liberdade de Ensino não só não podem sair fragilizados da pandemia covid-19, como devem resultar robustecidos pela acção rápida, expedita, antiburocrática, competente e eficaz dos Estados e das sociedades democráticas.

Disso mesmo todos dependemos.