A chamada descentralização constitui um tema recorrente no discurso dos agentes políticos mais relevantes em Portugal.

Ora porque é preciso estar junto dos cidadãos, ora porque a proximidade é um valor essencial na relação entre eleitos e eleitores, ora ainda porque as políticas públicas devem ser construídas com os actores dos territórios, a verdade é que a transferência de competências do Estado para patamares mais abaixo na pirâmide da Administração – sendo que o mais abaixo não significa de todo menos importante – está sempre presente no rol de boas intenções que os responsáveis políticos adoram derramar na opinião pública e com as quais procuram conquistar, se possível derretendo, os corações dos autarcas.

Acontece que, o que saudamos com alegria, um dos efeitos do poder local democrático e da sua linha de evolução histórica foi precisamente a consolidação do reconhecimento pelas populações da importância de uma Administração Local forte, actuante e cada vez mais alinhada com as expectativas, necessidades e anseios das pessoas, assim como também o foi o crescente auto-reconhecimento pelos autarcas da sua relevância e do upgrade sustentado do seu peso específico no quadro das relações de poder que vão mantendo com o governo e com os representantes da Administração Central. Assim sendo, resulta daqui que os autarcas não parecem estar dispostos a ser meros figurantes no filme da descentralização, aparecendo ao lado dos responsáveis governativos como figuras de segundo plano que executam meras tarefas administrativas e burocráticas em nome e por conta de políticas definidas centralmente (veja-se, por paradigmáticos, os casos da Educação e da Saúde), mas antes que querem e estão dispostos a assumir responsabilidades estratégicas no desenho e na execução planeada e financeiramente sustentável de políticas públicas que, por isso, possam produzir efeitos e ter um impacto concreto na vida concreta de pessoas concretas em territórios concretos.

Se, do lado do Estado, descentralizar (competências) não pode ser sinónimo de descartar (tarefas), no campo da Administração Local gerir recursos não deve ser meramente equivalente a suportar custos e a pagar despesas.

Portugal não precisa de um simulacro de descentralização que sirva para lavar a consciência pesada do Estado e que seja apenas um inconsequente e não sentido pedido de perdão público por dezenas de anos de um centralismo que, afinal, se arrastará pelo tempo.

Portugal precisa, isso sim, de um efectivo e real processo de descentralização que reforce as autarquias locais, que as habilite a intensificar o trabalho colaborativo em redes sub-regionais crescentemente empoderadas e que incremente a territorialização como um eixo determinante de todo o ciclo das políticas públicas.

Aos dias de hoje, em Portugal, temos o que não precisamos e não temos o que precisamos.

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