Ia escrever sobre a festa das famílias em que se tornou (ou sempre foi) o PS. Mas, de súbito, reparei que afinal o grande problema nacional não é o nepotismo e a tendência para a corrupção do PS, nem as manigâncias com a lei das incompatibilidades, nem a pobreza ou as desigualdades sociais, nem as contas públicas que só se aguentam sem investimento público e à conta de atropelos aos contribuintes, menos ainda os caldos perigosos que se cozinham nas redes sociais, ou a crise da comunicação social, que a torna menos capaz de escrutinar o poder político. Também não são os incêndios florestais e o que dizem do ordenamento do território, da pouca atractividade económica e social do interior, da incapacidade de usar as florestas para gerar receita aos proprietários. Definitivamente não as alterações climáticas. Népias se está a pensar que problema mesmo, mesmo grave é o SNS e o estado calamitoso em que as cativações e as 35 horas o deixaram. Ou a justiça com a sua velocidade glaciar.

Nada disso: reparei que o grande problema nacional são as feministas. E, como sou patriótica, julguei por bem escrever também sobre esta magna doença.

Então: começou tudo com o caso Clara Sottomayor (de quem discordo em muitos assuntos incluindo sobre proteção aos direitos das mulheres) renunciando ao Tribunal Constitucional. A renúncia teve a ver com a recusa em alterar um acórdão com as sugestões de fora do plenário onde a decisão tem de ocorrer. Mas a notícia falsa que foi posta a circular? Clara Sottomayor queria colocar no acórdão sobre os metadados referências à violência doméstica equiparando-a a terrorismo. No ano da graça de 2019 houve pessoas, vagamente ligadas ao TC acusando Clara Sottomayor de ser Jack o Estripador, não, perdão, pior, ser feminista. (Agora desmaiem uns minutos, se faz favor.)

Mais tarde, o inefável Manuel Soares — o juiz defensor do fabuloso Neto de Moura e descritor da violação de uma jovem mulher inconsciente por dois homens numa discoteca como ‘sedução mútua’ e outras calamidades semelhantes – escreve um artigo de opinião atacando Clara Sottomayor por ser feminista e, donde, não ser parcial nos seus julgamentos. (As mulheres são assim, fracas de cabeça, não é, Manuel Soares? Não conseguem ver o mundo além das suas emoções nem julgar de forma imparcial como este excelente juiz fez no caso da violação de Gaia, onde que não foi nada parcial em favor dos violadores e da promoção da violência sexual impune, certo?) Um juiz, misógino (como é qualquer pessoa preocupada com o bem de violadores) e ignorante do contexto e das consequências dos crimes sexuais, acusa outra de ser parcial a julgar. O que fizemos nós para merecer pantominas deste gabarito?

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Mais ou menos ao mesmo tempo têm surgido textos de opinião, vindos da direita, dando conta da maldade do feminismo. Desde argumentações astronomicamente inteligentes — da estirpe ‘elas são feias’ (dica feminina: é conveniente os homens que fazem este tipo de argumentação num órgão de media serem umas estampas para cima de Daniel Craig; é que, não sendo, correm o risco sério de se tornar alvo do escárnio feminino — instrumento, como se sabe, corrosivo) até conselhos para por o mulherio a ouvir música em vez de aprender coisas esquisitas sobre ideologias. (No final de A Tragédia da Rua das Flores Eça bem mostrou os benefícios do analfabetismo feminino. se lembrou de começar a educar as mulheres?! Foi o princípio do descalabro. Isso e Chanel e Katherine Hepburn darem em usar calças.)

Ainda bem que temos tantas pessoas preocupadas com o feminismo. Curiosamente são pessoas que ficam caladas com as penas suspensas para crimes sexuais e de violência doméstica. Também nunca se apoquentaram com os próprios dos crimes — que umas mulheres violadas e mortas e a apanhar dos maridos e namorados não é tão grave como andarem por aí umas feministas à solta, isso sim merecedor de lamúrias e lamentações públicas. Adoram a participação feminina de paixão assolapada, oh sem dúvida, mas, estranhamente, odeiam o mecanismo (as quotas) que tem generalizado a tal participação feminina e que mostrou que não era a falta de mérito que mantinha arredadas as mulheres dos cargos políticos. É ver como no governo (sem quotas) as mulheres não chegam a 20%. Na câmara de Lisboa, em nove vereadores o PS tem somente duas mulheres e Manuel Salgado, que felizmente vai sair, será substituído por mais um homem.

Mas não me quero deter nas quotas, porque de facto o feminismo como um todo é um grave problema nacional, porventura mesmo da NATO, e seria ingénuo olhar só para uma parte dessa aleivosia contaminaste de tantas mulheres distraídas do bom caminho.

Ao invés, parece-me bem dar os parabéns a tanta gente de direita por seguir as pisadas do Vox, de Trump e do Breitbart e de André Ventura na perceção corretíssima da ameaça que as feministas são para a coesão nacional, a continuidade no euro, o combate à corrupção e a normal sucessão das estações do ano. A direita portuguesa anda inexcedivelmente inteligente e perspicaz no que toca a esgalhar as grandes preocupações dos lusos de boa vontade.

Enquanto isto, algo quiçá estrutural se passa. O PSD e o CDS não conseguem convencer nem com um PS incapaz de uma maioria absoluta. Contudo os novos partidos de direita curiosamente também não conseguem ir buscar os eleitores agoniados com PSD e CDS. Em vez disso, o BE e PAN sobem e o Livre talvez (se mantiver performance das europeias) eleja deputados. Este cenário mostra clarinho como água que a preocupação dos eleitores (e a intenção de voto) está com os perigos dos transgénero, das feministas e demais maleitas progressistas. Os meus parabéns às pessoas de direita que estão a perceber mesmo bem o que se passa. Qualquer dia conseguem, à conta de responder com tanto acerto aos anseios dos eleitores, transformar o PS no grande partido centrista português.