Os primeiros anúncios públicos sobre um novo coronavírus na cidade de Wuhan tiveram um impacto negligenciável nos mercados financeiros, porque a experiência com o último surto semelhante, o da epidemia SARS de 2003, foi relativamente benigna. Nessa altura o efeito sobre o PIB chinês e mundial foi muito limitado e rapidamente revertido: a economia chinesa cresceu 10% em 2003, subindo praticamente 1 ponto percentual face a 2002, e a economia mundial cresceu 3%, acima dos 2,2% registados no ano anterior.
Mas desta vez é diferente, e os mercados acordaram para isso esta semana.
Em primeiro lugar, porque o peso da China na economia mundial quadruplicou desde 2003. Segundo os dados do Banco Mundial, em 2003 o PIB chinês representava 4% do PIB mundial, enquanto em 2018 já representava 16%. As exportações chinesas duplicaram entre 2003 e 2018 de perto de 6% do comércio mundial para 12%. Por isso, uma paragem na China, ainda que parcial e temporária, tem desde logo um impacto muito maior não só na produção mundial, devido ao seu peso nas cadeias de produção globais, mas também na procura mundial, devido à emergência nas últimas décadas de uma classe média e média-alta com padrões de consumo mais elevados.
Em segundo lugar, porque as circunstâncias económicas mundiais são menos favoráveis a uma recuperação rápida. Antes mesmo das primeiras notícias sobre o aparecimento do coronavírus havia sinais de abrandamento nas economias avançadas, ainda que moderados. O FMI antecipava, em outubro de 2019, uma desaceleração do PIB nas economias avançadas para 1,5% em 2022 depois de 1,7% em 2019. Já as economias emergentes, que segundo o FMI deveriam acelerar de 3,9% para 4,8%, são também as que serão provavelmente mais afetadas pelo coronavírus, a começar pela Ásia. Os dados da OCDE sobre o comércio mundial apontam para uma queda nas exportações e importações do G20 já no 4º trimestre de 2019, antes ainda do surto do coronavírus.
Apesar de os novos casos na China estarem a diminuir, o que sugere um abrandamento da expansão do coronavírus, é improvável que o arrefecimento macroeconómico pré-existente permita uma recuperação tão rápida como em 2003.
Por fim, porque a margem de manobra das políticas monetária e orçamental está mais reduzida. Não só o endividamento mundial é mais elevado (a dívida pública na OCDE subiu de 73% do PIB em 2007 para 110% em 2017), como a política monetária está em vários países no limite da sua capacidade de atuação, com taxas negativas ou próximas disso e com balanços muitos elevados nos bancos centrais, resultado de compras massivas de ativos nos anos de crise. Para além do mais, a capacidade de atuação das políticas orçamental e monetária está limitada aos efeitos sobre a procura e tem pouca capacidade para atuar sobre os efeitos na oferta, tais como a redução do número de trabalhadores ou as limitações no acesso a matérias primas e bens intermédios, fornecidos por empresas que estão fechadas ou a funcionar a meio gás.
Em Portugal, apesar da visão otimista, ainda que bastante insensível, de alguns membros do Governo, segundo a qual Portugal poderá beneficiar no processo de substituição de fornecedores, é muito provável que, feitas as contas, o país tenha mais a perder do que a ganhar. O potencial efeito negativo direto que resulta das trocas comerciais é, à partida, elevado. A China representa 3% das importações portuguesas de bens (finais e intermédios utilizados na produção), o que a coloca como sexto parceiro de importações. Por sinal, os efeitos já se começam a fazer sentir, com notícias de fábricas que não conseguem comprar bens intermédios dos seus fornecedores chineses, sobretudo nos setores que deles mais dependem, como é o caso do setor dos têxteis e do vestuário (que representam a maior parcela das importações chinesas em Portugal). A isto há que somar os efeitos indiretos, por exemplo, os que resultam da redução da procura de bens e serviços como o turismo, que poderá afetar Portugal na altura critica da primavera. Apesar de haver um potencial aumento no turismo interno, poderá sentir-se os efeitos de uma quebra no turismo que vem do exterior.
A somar ao abrandamento que já se sentia no quarto trimestre e aos riscos que resultam da guerra comercial entre os Estados Unidos e a China ou do Brexit, a expansão global deste coronavírus pode acentuar a desaceleração económica em 2020. Não é previsível, por enquanto, uma recessão, mas é importante reconhecer que meios de política económica para eventualmente a combater estão, salvo exceções em alguns países, já muito comprometidos.