Se tivéssemos jogado com 11 não teríamos perdido.
Mas é sempre o que nos acontece, quando sentimos que alguém é importante sempre nos dobramos a ele.
Fizemo-lo a Salazar: até depois de estar doente e incapaz ninguém foi capaz de o retirar do cargo e, apesar de ser já Marcelo Caetano a governar, não se podia sentar na cadeira, nem sequer usar a casa do Presidente do Conselho.
E é mesmo sempre assim, enquanto não cai por terra o importante, continuamos a venerá-lo como se fosse impossível enfrentar a mudança.
Temos medo.
Medo de que se zangue connosco e que ainda nos possa fazer mal.
Medo de sermos criticados pelos outros, se da nossa decisão de confrontar sair um resultado pior, e aí sermos nós confrontados por todos eles, pois como não somos os importantes, seremos arrastados pelo chão da humilhação por termos tido a ousadia de acharmos que poderíamos pôr em causa o importante.
E com isto vamos acumulando derrotas, mesmo quando tínhamos tudo para conseguir a vitória.
Aconteceu na política com primeiros ministros que, com todas as indicações de que estávamos a ser conduzidos a uma desgraça financeira, só quando fomos declarados falidos com a intervenção do apoio europeu, fomos então capazes de condenar a sua atuação e, quando já não era importante, já achámos aceitável levá-lo à prisão mesmo ainda sem julgamento.
Aconteceu com presidentes de clubes de futebol que só depois de derrotados foram então levados à justiça e aí, alguns deles tratados com a humilhação de serem presos uma segunda vez, na porta de saída da prisão, no momento da sua libertação.
Aconteceu com banqueiros, a que todos se dobravam em respeitosos cumprimentos e que, ainda que já todos soubéssemos da sua errónea caminhada, com provas claras de declarações de rendimentos erradas e com atuações que todos considerávamos ser de excesso de utilização do poder, apenas fomos capazes de confrontar quando os seus projetos ruíram, já sem remédio, e criando fortes prejuízos a Portugal e aos portugueses.
E aí, sem qualquer preocupação fomos todos os arautos da justiça que deveria ter sido feita, sem assumir que a devíamos ter exigido antes de o drama ter ocorrido.
Foi ainda assim que venerámos muitos milionários, que neste país são tratados como se fossem os enviados de Deus, mesmo quando as origens das suas riquezas são pouco claras e muitas vezes por todos nós consideradas de estranha fonte, como se ser rico fosse em algum caso a garantia de honra, de bondade ou de respeito merecido.
Neste caso específico ainda temos uma outra esquizofrenia: quase todos os dias ouvimos criticar os ricos como os culpados da maioria dos males que enfrentamos no nosso país, mas individualmente todos parecemos ambicionar ser esses ricos e assim, os responsáveis por todas esses desgraças que nos acontecem.
Por tudo isto, era obviamente impossível termos ganho o Europeu este ano.
Aqueles que, como Ronaldo, foram tão importantes pelo seu génio para nos colocar no topo, para realizar aquilo que sem eles nunca poderíamos realizar, transformam-se, por culpa nossa de termos medo de os confrontar, nos responsáveis pelos falhanços que acabamos por registar.
Aqueles que se tornam importantes acabam sempre por destruir a sua importância por se sentirem importantes e insubstituíveis e sem nunca compreenderem a importância da sua saída.
Deus nos livre dos importantes, que nos fazem subir mais do que precisamos, mas que acabam por nos deixar, por culpa nossa, sempre mais em baixo do que precisaríamos.
Devemos agradecer infinitamente aos Cristianos Ronaldos deste nosso país, mas devemos ter a coragem ser capazes de lhes fazer frente quando excedem aquilo que é ajudar o país e já só é a importância da sua pessoa.