O post da DGS a alertar para os riscos do S. João no dia seguinte à festa é a gota de água que fez transbordar um chorrilho de emoções que já não há mais betão que consiga conter. Pelas funções que desempenho e por sentir que apontar as falhas recorrentes da equipa de Graça Freitas poderiam criar pânico generalizado, evitei, ao longo dos últimos meses, demonstrar o meu desagrado com a Direcção-Geral de Saúde, exortei os que me contactavam a seguir as recomendações do organismo responsável e fiz de tudo para transmitir confiança naquela instituição. Mas chega!
Desde cedo, aprendi que o que é demais é moléstia e torna-se insustentável continuar a tentar ser compreensivo com as tonterias que “o médico de todos os portugueses” vai dizendo. O sentido de Estado e o respeito pela figura é importante. Fundamental, até. Porém, mais importante que isso, são os portugueses, que não podem continuar num apedeutismo que favorece, apenas e só, a propagação da calamidade e da doença.
Já houve tempo para organizar e planificar, para ser pró-activo em vez de reactivo e acabar de vez com o paternalismo de dar as boas notícias empoladas e gerir as más.
António Costa disse que não se trocam generais a meio da batalha. É verdade! Mas eu, como profissional de saúde que sou, falo do que sei. E sei que nenhum clube pode jogar a Champions com uma equipa que só perde.
Falamos duma DGS que só não falha quando não remata, só não faz falta quando não se faz ao lance, só não sofre golo quando não chutam à baliza. Honestamente, não se entende como é que passados tantos meses de derrotas acumuladas, não foi expulsa pela conduta, ou, no mínimo, substituída pelos suplentes.
A Directora-Geral de Saúde começou por dizer, em Janeiro, que não havia evidência que existisse contágio entre humanos. Depois, afirmou que dificilmente chegaria à Europa. Continuou dizendo que as máscaras não se deviam usar, depois que se podiam usar, até que as definiu como obrigatórias. Pelo meio, incentivou as visitas aos lares, disse que queríamos era estrangeiros em Portugal e o país ficou fechado, com cercas sanitárias e a população impedida de sair dos concelhos. Vivemos ansiosos, a aguardar pelo momento em que nos dirão que, afinal, o vírus se apanha com a lavagem das mãos.
Não dispomos dos meios, nem recebemos a informação entregue à DGS. Em todo o caso, com um mero exercício de observação, alertámos para a necessidade de comprar material, parar cirurgia programada e libertar camas, preventivamente, no final de Janeiro, noutro orgão de Comunicação Social.
Em 27 de Fevereiro, aqui, no Observador, num artigo denominado “Quer a factura com número de contribuinte?”, avisei para a necessidade de encerrar fronteiras e disse “A não suspensão do espaço Schengen para confinamento da epidemia terá custos elevadíssimos. Económicos, financeiros e, sobretudo, humanos”. Tudo isto foi antes de haver casos confirmados em Portugal e suportado exclusivamente pelas noticias que, chegando do exterior, me faziam retirar ilações.
A economia tinha afundado pela nossa dependência grotesca de capital estrangeiro, mas tínhamos poupado vidas e garantiamos que, pelo menos os portugueses continuariam a gerar economia.
Esperamos que a epidemia cá chegasse para tomar medidas, para parar o país, destruir a economia, destruir empregos, aumentar os problemas de foro mental e fazer os portugueses reféns do medo.
A catástrofe tem um nome, tem um rosto e tem um culpado. Aqui, o governo de António Costa, apesar de ter pecado pela teimosia de manter o órgão técnico, é isento de culpa.
Era à Direcção-Geral que competia ser mais do que um megafone do que se ia dizendo no exterior. Para traduzir normas, ou ser caixa de ressonância de ilusões, não era necessário existir uma organização nacional. Aqui exige-se rigor técnico e científico. Demanda-se que não se comportem como alguns nomeados políticos que, muitas vezes, esquecem que a sua lealdade é para com o país e não com quem os nomeia.
Para Roll Up dos estudos internacionais, as Administrações Regionais de Saúde bastavam. Provavelmente, pela sua proximidade, não haveria necessidade de rectificar, dia atrás de dia, os números apresentados, num “soma morto tira infectado” que é de um desrespeito atroz pelos doentes e suas famílias e transmite uma insegurança grotesca a quem ouve.
Não podemos pedir aos portugueses que entreguem a sua saúde a quem não sabe contar, a quem tem dificuldade em manter a coerência, a quem tem problema comunicacional desta dimensão. A culpa desta segunda vaga — ou continuação da primeira — é dos portugueses, que não cumprem as regras definidas, mas ninguém os pode culpar por fazerem o que não devem, quando o fazem porque não confiam em quem não podem.