1 Decorreu na passada quinta-feira, no Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica (IEP-UCP), um muito estimulante debate, de dia inteiro, sobre “Direito Natural e Ecologia Humana”, sob a direcção científica de Manuel Braga da Cruz. Contando com a participação de vários oradores nacionais e internacionais, a iniciativa teve a generosa colaboração da Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém, da Associação dos Juristas Católicos, da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e da Sociedade Científica da Universidade Católica.

2 O evento permitiu recordar a importância crucial do Direito Natural na tradição europeia e ocidental, greco-romana e judaico-cristã, fundada na conversação pluralista entre Atenas, Roma e Jerusalém. Este tema, entretanto quase esquecido, ocupou um lugar central no debate intelectual e político do século XX, sobretudo face à tragédia dos totalitarismo comunista, fascista e nazi.

Vários autores — Leo Strauss em Natural Right and History (1953) e o seu aluno Allan Bloom em The Closing of the American Mind (1987) vêm de imediato à memória, entre muitos outros. Eles alertaram contra a equívoca tentação de entender a modernidade e a democracia em ruptura com a tradição do Direito Natural.

E esse alerta foi lançado em defesa — não contra —a modernidade e a democracia liberal. Isto será certamente difícil de entender pelos tribalismos rivais que hoje condenam a democracia liberal, uns a partir da esquerda radical, outros a partir da direita radical.

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3 Em termos políticos, para resumir um longo argumento filosófico que não caberia neste espaço, a questão central reside em recordar as tremendas consequências políticas que o abandono intelectual da tradição do Direito Natural produziu no século XX: fundamentalmente, os totalitarismos comunista, fascista e nazi.

Todos os grandes falsos profetas idolatrados por modas intelectuais auto-designadas como “revolucionárias” no século XX — de Rousseau e Marx a Nietzsche, de Lenine a Staline, de Mussolini a Hitler — procuraram ridicularizar a ideia de Direito Natural enquanto padrão objectivo de distinção entre o Bem e o Mal; por outras palavras, enquanto limite objectivo ao capricho da vontade arbitrária, designadamente enquanto limite ao capricho da vontade revolucionária de poder arbitrário e ilimitado do chamado Estado Total.

4 As actuais modas relativistas das chamadas patrulhas “woke” — que, em nome de uma alegada liberdade radical, pretendem abolir o diálogo sobre as distinções objectivas entre o que é e o que deve ser — essas modas relativistas “woke” acreditam representar uma liberdade radical. Mas simplesmente ignoram que esse mesmo entendimento radical de que tudo é simplesmente produto do capricho da vontade levou no passado à asfixia da liberdade pelos mais terríveis totalitarismos.

Não certamente por acaso intelectual, essas mesmas patrulhas “woke” tentam actualmente promover a asfixia da liberdade nas democracias liberais, sobretudo nas Universidades.

É por isso também importante recordar que os totalitarismos rivais do século XX atacaram as democracias liberais com argumentos simétricos, fundamentalmente idênticos (e em boa parte semelhantes aos argumentos das actuais doutrinas “woke”): as democracias pluralistas não obedeciam às doutrinas monistas decretadas pelos Estados Totais — comunistas ou fascistas.

5 E é também particularmente importante recordar que a resistência das democracias liberais contra os totalitarismos assentou sempre no debate livre e na conversação — não na contraposição de uma doutrina monista única contra a monista doutrina única dos tribalismos rivais, comunista e fascista.

6 Este contraste entre pluralismo liberal e monismo autoritário tribal ficou particularmente patente no contraste entre dois conceitos de Universidade. Nos regimes totalitários, as universidades transformaram-se em agências de propaganda das doutrinas monistas respectivas. Nas democracias liberais do Ocidente, pelo contrário, elas mantiveram a sua ancestral natureza pluralista — enquanto lugares  de uma conversação gentil e tranquila entre várias vozes, na busca comum da Verdade, do Bem e do Belo.

Vale a pena revisitar a este propósito a ancestral Ideia de Universidade tão sublimemente recordada por (Cardeal) John Henry Newman:

“Uma Universidade é um lugar onde o inquérito é promovido, e as descobertas verificadas e aperfeiçoadas, e a rudeza é tornada inócua, e o erro exposto, através da conversação de mente com mente, e de conhecimento com conhecimento.” (1854)