Si vis pacem, para belum. Se queres a paz, prepara-te para a guerra, assim reza o provérbio  romano, atribuído a Vegécio. Se demonstrarmos ao inimigo que temos força e estamos dispostos a lutar, dissuadimo-lo de atacar. Se demonstrarmos fraqueza, existirá sempre alguém que se aproveitará dessa situação de fragilidade. O inimigo existe sempre, mesmo que julguemos que  não. A aversão à guerra demonstrada pela França em 1939, as propostas de desarmamento unilateral feitas pelos trabalhistas ingleses, na mesma década, no sentido de mostrar ao mundo que o Reino Unido era pacifista, as consecutivas tentativas de apaziguamento em 1938 de Chamberlain e Daladier – todos estes elementos combinados contribuíram para criar em Hitler a ideia de que as suas ideias de expansão territorial não teriam oposição efetiva. A própria invasão da União Soviética pela Alemanha, rasgando o pacto de não agressão e de cooperação tática entre  as duas potências, foi incentivada pela convicção de que a URSS era militarmente fraca, tais as dificuldades que esta tinha sentido quando invadiu a Finlândia.

Entendo que isto vale também a título individual: a demonstração de fraqueza ou de  indisponibilidade para o confronto pode tornar-nos alvos fáceis de indivíduos sem escrúpulos.

Há quem não esteja de acordo, e o campo académico de “estudos da paz” preconiza algo como si vis pacem, para pacem: se queres a paz, prepara-te para a paz. O problema desta proposição é que choca de frente com a natureza humana – que, sim, existe –, como a experiência tem demonstrado profusamente. Talvez a Rússia tenha invadido a Ucrânia por estar convencida da  inércia ocidental e da falta de vontade da Ucrânia para resistir. Talvez a estratégia de Israel no atual conflito com o Hamas seja a de demonstrar uma tal capacidade de reação às agressões que dissuada quaisquer outras tentativas de quaisquer outros inimigos, pelo menos até que Israel adormeça novamente na autoilusão de que controla dos acontecimentos.

A este propósito é interessante recordar o que Marc Ferro escreveu em 2015, profeticamente, a propósito daquilo a que chamou “a cegueira” das potências europeias em relação aos movimentos anticoloniais do pós-Guerra: “Como dissipar o receio de que os líderes e colonos de Israel caiam um dia numa cegueira semelhante, cujas consequências seriam trágicas?

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O pacifismo, do qual, parecendo que não, sou geneticamente adepto, assenta no conforto: no conforto de que alguém fará o trabalho desagradável por nós, como aconteceu na Europa Ocidental desde o final da Segunda Guerra: os americanos, com a sua força e a demonstração de que estariam dispostos a usá-la, garantiam a paz face ao bloco de leste. Os europeus mais esquerdistas diziam mal dos “polícias do mundo”, mas podiam dar-se ao luxo de apregoar o pacifismo e manifestar egoisticamente a objeção de consciência precisamente porque os  americanos existiam.

Recordo-me bem da crise que se seguiu ao referendo de Timor-Leste de 1999, em que o País em peso de emocionou com a agressão de que os timorenses estavam a ser vítimas pelas autoridades indonésias no território. A TSF teve durante semanas uma transmissão non-stop sobre Timor-Leste, 24 horas por dia, sem sequer publicidade. O primeiro-ministro António Guterres fazia o que melhor sabia fazer, que era ser inutilmente solidário. A comoção  era geral. Um amigo meu, mais velho, com inclinações de extrema-esquerda, participou numa vigília noturna em frente à embaixada americana em Lisboa para suplicar aos odiados “polícias  do mundo” que fossem “polícias do mundo” e interviessem militarmente em Timor-Leste, ao que os americanos responderam que não eram “polícias do mundo”, deixando os tradicionais adeptos do slogan um tanto ou quanto baralhados. Depois os australianos disseram que estavam dispostos a intervir militarmente em Timor-Leste para impor a ordem, mas só se o governo indonésio concordasse. Finalmente, numa conferência de imprensa regular nos jardins da Casa Branca, transmitida em direto na televisão, na madrugada em Portugal, o presidente Bill Clinton, depois de falar de temas domésticos, referiu no final, quase de passagem e quando se preparava para se retirar, que o governo indonésio “devia” (must, foi a palavra que fixei) autorizar a entrada de  tropas australianas em Timor. De imediato, o governo indonésio deu o seu acordo.

Dias depois, o jornal Público apresentou na capa uma fotografia de página inteira de soldados australianos – sem  capacetes, mas com chapéus moles, como se fossem passear ao sol –, com uma única palavra em letras gordas: “Chegaram!”.

A vida não é uma canção de John Lennon.