Vamos ter novo governo. Ele será minoritário e não por lhe faltar um ou dois deputados. Portanto terá um frágil apoio parlamentar. É uma má notícia num contexto internacional muito adverso. O primeiro grande desafio é interno e é paradoxal. O país tem dinheiro em caixa. Será difícil resistir à pressão para gastar ao desbarato. O segundo desafio é bem maior, o contexto internacional. O país tem de se preparar para um Mundo ainda mais conflituoso, e ainda mais incerto. As duas alianças – NATO e UE – que garantem a nossa segurança e prosperidade estão em risco sério de paralisia, e até de colapso. Seria fundamental que os dois principais partidos se deixassem de tabus absurdos contra o Bloco Central e cheguem a alguns compromissos pelo menos para lidar com estas questões.
Resistir à pressão para gastar
Como já escrevi aqui percebo perfeitamente que toda a gente em Portugal queira receber mais e pagar menos impostos. Não há dúvida que toda a gente é mal paga em Portugal se comparamos com a Europa do Norte ou até com a vizinha Espanha, deixando de lado o pormenor do nível de riqueza produzida para outro texto. Não há dúvida de que a classe média paga muitos impostos. E certamente não deveria ter-se avançado com mais um suplemento para um corpo de polícia sem se ter em conta as demais, ou o facto de muitos militares gostarem de comparar as suas folhas salariais com outros corpos armados.
O problema do meu ponto de vista está na multiplicação de suplementos, complementos, subsídios e outras alcavalas, que estas corporações se esquecem de mencionar sempre que reivindicam dos salários. Eles multiplicam a opacidade e as desigualdades absurdas. Os professores, por exemplo, sabem que os magistrados têm um generoso subsídio de habitação?
Também não faz sentido as Forças de Segurança reclamarem do estado das viaturas ou das esquadras, mas depois o que reclamam é mais dinheiro ao fim do mês. O mesmo se aplica às Forças Armadas. Como o dinheiro dos impostos não é infinito, e será ainda menos se a carga fiscal for reduzida, mais dinheiros para salários e subsídios será menos dinheiro para investir em meios. Confesso que estou cético. Percebo que um governo minoritário que pode ir em breve a eleições se sinta tentado a abrir os cordões à bolsa, até porque não faltam injustiças neste sistema. Esperemos que consiga preservar alguma coisa da capacidade de investir em prioridades nacionais e não gaste tudo em concessões a corporações bem organizadas.
Lidar com um Mundo mais perigoso
Será bom que o novo governo retome rapidamente o processo de aprovação de um novo Conceito Estratégico de Defesa Nacional que estava praticamente concluído, estando pendente do agendamento pelo parlamento de uma votação para aprovação das suas grandes opções. O mesmo se aplica a uma área vital para um país como Portugal que é o de uma Estratégia de Segurança Marítima em que os diferentes setores relevantes também já se tinham empenhado num processo que eu coordenei (gratuitamente). Poderá até aproveitar-se para fazer um processo de debate público mais alargado sobre desafios externos crescentes, mas seria mau se estes documentos de planeamento estratégico, não fossem retomados e depois efetivamente implementados.
Já aqui referi que é fundamental perceber o que Portugal irá fazer face à possibilidade real de uma segunda presidência Trump. Isso poderá levar a um esvaziar da NATO. Devemos apostar numa relação bilateral com base em interesses estratégicos partilhados no Atlântico, por exemplo em evitar que outras potências tenham alguma presença nos Açores? E o que fazer relativamente às exigências estridentes dos EUA de 2% de gastos em defesa? AD e PS não se comprometeram claramente com qualquer aceleração significativa desse esforço. Foi possível subir dos 1.1% em 2014 para 1,5% em 2023, e dos 8% de investimento em equipamento para os 20% atualmente. Mas ainda estamos longe dos 2% do PIB. E ao ritmo atual não atingiremos esse objetivo até ao final da década. Seria fundamental um reforço mais rápido do investimento também para reforçar as nossas defesas face a um mundo mais perigoso. E ainda para podermos tentar tirar partido de grandes mudanças tecnológicas em curso, bem como das lições do conflito na Ucrânia. Esta guerra revelou vulnerabilidades – das defesas antiaéreas até às defesas costeiras e navais, passando pelas reservas estratégicas de munições. Mas apontou também para oportunidades – como os drones armados e de vigilância, aéreos ou navais.
Também relativamente à Europa haverá muito a decidir. Até porque iremos votar em junho de 2024 para um novo Parlamento europeu que poderá ser o mais fragmentado e ingovernável da história. Espero que pelo menos nessa altura se discuta alguma coisa temas europeus e internacionais. Iremos apoiar um novo alargamento e um reforço federal da Europa, e com que limites ou contrapartidas? Quais são as implicações no orçamento europeu do alargamento ou do apoio à Ucrânia? Estamos dispostos a aceitar cortes significativos no orçamento da cooperação externa para compensar parcialmente esse esforço adicional? Ou a defender novos impostos europeus? A Europa enfrenta enormes desafios económicos e militares. Deveria mostrar-se mais forte e mais coesa. Mas parece bem possível que se divida ainda mais. Nesse caso iremos apostar em formatos mais flexíveis de minilateralismo com países com interesses convergentes e quais? Como iremos gerir economicamente esta desglobalização parcial? Conseguiremos tirar partido do esforço para alguma reindustrialização europeia em setores estratégicos, como, por exemplo, a defesa?
O apoio à resistência nacional ucraniana contra o imperialismo agressivo da Rússia de Putin tem um amplo apoio no nosso país. Esperemos que o novo governo saiba tirar daí as devidas conclusões e se empenhe em continuar a ajudar a conter o expansionismo de Moscovo. Claro que terão de ser os países mais ricos, melhor armados e mais próximos da Ucrânia a assumir a liderança neste processo. Mas seria um desastre para a segurança e a liberdade na Europa a vitória da Rússia neste conflito. O resultado provável seria o regresso das guerras de conquista ao Mundo. A paz a qualquer preço provavelmente levaria à multiplicação de conflitos armados no futuro. Um risco especialmente sério para pequenas potências como Portugal, especialmente se gastarmos todo o dinheiro em subsídios e não sobrar nada para as armas e as alianças vitais para nos defendermos.