A recorrente crítica de certa direita à IL prende-se com a suposição de que esta defende uma economia de direita e, infelizmente, valores “sociais” de esquerda. Ou que é liberal na economia e, infelizmente, liberal nos costumes. Ou que, em suma, não passa de um Bloco de Esquerda com noções de economia. A crítica padece de mais equívocos do que uma comédia lisboeta dos anos 1940, não necessariamente por mérito da IL, mas por demérito do BE.

O maior equívoco é presumir alguma relação do BE com a liberdade, excepto no sentido de a suprimir. Não me vou demorar no assunto. Vou lembrar que, nos costumes, nos valores ou no que quiserem, o BE não favorece liberdade nenhuma. À semelhança das suas congéneres estrangeiras, o propósito da seita é servir-se de “causas”, selectivas, abastardadas ou cómicas, para dividir a sociedade e fomentar conflitos. As “vítimas” ocasionalmente imaginárias que o BE finge tentar resgatar só merecem consideração se alinham na cartilha e não perturbam a respectiva “coerência”. Um homossexual que sofra a opressão palestiniana não comove o BE. Um negro que se recuse a jogar a “carta racial” não importa ao BE. Um doente que não deseje morrer às mãos de um SNS inviável não conta com o BE. Um desgraçado que passe fome num regime “progressista” não indigna o BE. O BE não ajuda ninguém: ajuda-se a si mesmo à custa do desamparo alheio. Fundamentalmente leninista, o foco exclusivo daquilo é a continuação da luta de classes por outros meios, e outras classes. Além do oportunismo, dali não vem coisa diferente de proibições, imposições, discriminações, repressões.

Eu acho que a IL não é isso. Por acaso, acho igualmente que uma parcela da IL embarca no equívoco inicial e disfarça mal algum orgulho face à comparação com o BE em matéria de “liberdades cívicas”, ainda que a relação do BE com as “liberdades cívicas” seja idêntica à de Herodes com as criancinhas. Como a direita que a critica, a IL engole a patranha da “libertinagem” bloquista. A diferença é que certa direita claramente não aprecia “libertinagens”, ponto, e a IL, ou uma parte da IL, nebulosamente confunde o oportunismo voraz do BE e do marxismo em geral com a “libertinagem” que sonha abraçar.

Dado não ser conservador ou tradicionalista, gosto que a IL seja liberal na economia e nos costumes. Porém, gostaria que fosse tão verdadeiramente liberal nestes quanto o é naquela. A liberdade não se reclama através da catalogação de “minorias” e da participação em desfiles burlescos, e sim mediante a exigência de que cada indivíduo não se veja prejudicado ou beneficiado em função do sexo, da raça, da naturalidade, da religião ou das demais características e atitudes fortuitas ou adoptadas – e afinal irrelevantes.

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Remover, na medida do possível, o peso do Estado inclui remover as considerações e as regulamentações que o Estado nos despeja em cima de modo a distinguir “identidades” postiças ou privadas. Em contexto público, não há “identidades”: há pessoas, em princípio interessadas em alcançar a felicidade ou, vá lá, em passar pelo mundo sem excessivo sofrimento. Se não compete ao Estado promover a felicidade, deveria competir ao Estado não provocar sofrimento. Eu gostaria que a IL rejeitasse a intervenção do Estado no resto com o empenho com que rejeita a intervenção do Estado na banca ou na TAP. Eu gostaria que a IL assumisse que não existe oposição ao dr. Costa sem oposição a todas as políticas decisivas, e nefastas, que emanam do dr. Costa e das metástases do dr. Costa. No fundo, no fundo, o que eu gostaria era que a IL reconhecesse que o socialismo visa sempre limitar-nos e diminuir-nos. E que rejeitasse todo o socialismo, do económico ao “identitário”, do “ambiental” ao sanitário.

Apesar de ser o único partido com um discurso avesso às políticas “da” Covid, a consistência e a assiduidade do discurso deixam a desejar. Por mim, desejaria que a IL deixasse de oscilar entre a rejeição dos abusos e a indiferença perante os abusos. Há dias em que a IL parece liderar a resistência aos enxovalhos a que nos submetem. E há dias em que parece acreditar na cândida ideia de que a política e a saúde não se misturam, um disparate nocivo inclusivamente para a saúde – e vantajoso para os piores políticos. Nos dias maus, em que se resigna ao hilariante “consenso científico” fabricado nos “media” e em conselhos de ministros, a IL está a legitimar sucessivos ataques à liberdade, justamente o que promete combater.

Não sei porque é assim. Do que conheço do partido, que é pouco, sei haver lá gente que não suporta a prepotência a pretexto da Covid, gente que não valoriza a prepotência e, contam-me, gente que não admite que a prepotência é prepotência. Talvez os tremeliques na retórica da IL traduzam esta, digamos, pluralidade de opiniões. Ou talvez, visto que a maioria do eleitorado tem medo da Covid, a IL tenha medo da maioria do eleitorado.

Mas sobra a minoria, enfim uma minoria a que a IL poderia prestar atenção. Ignoro se são 30%, 20%, 10% ou 5% dos portugueses aqueles que não toleram a interminável humilhação das máscaras, dos testes e dos certificados. Em qualquer dos casos, são cidadãos que rejeitam a tutela estatal nas questões que não respeitam ao Estado. E que compreendem que o assalto do Estado às nossas vidas não é menos criminoso que o assalto do Estado ao nosso bolso. A IL está a tempo de o compreender também. Faltam seis semanas para que um arzinho de liberdade entre em São Bento. Ou continue à porta, tímido e reverencial.