É a política estúpido! Ou será que o Tribunal Constitucional Alemão salvou a democracia?

Pedindo parcialmente emprestada a frase, que um rapaz que gostava de charutos tornou histórica, e que pode ser atirada aos chico-espertos dos governantes da Europa do Sul.

Assistimos nos últimos anos a um aparente fim da política tal como definida por Aristóteles, “decisão sobre a utilização dos recursos, necessariamente escassos”.

Aparentemente “a dívida não era para se pagar, mas para se ir pagando”, tal como não era preciso parar de gastar e ter um orçamento e contas públicas equilibradas, porque o Estado tinha recursos ilimitados.

Assim, o Avô da criança, o Guterres gastou à tripa-forra, no que foi continuado pelo Pai da criança, o Sócrates, que passou a dívida pública dos 50% para quase 100% do PIB e o filho pródigo Costa que após a crise financeira não amortizou um tostão da dívida que se mantém no mesmo valor nominal à volta de 250 mil milhões de euros.

O Ronaldo das Finanças, apenas num período de vacas gordas, após receber as contas equilibradas de Passos Coelho e Troika, constatou que a dívida em percentagem do PIB diminuiu, claro, porque o PIB continuou a crescer depois de 2015.

E todos seriam felizes para sempre não viesse esse desmancha prazeres do Tribunal Constitucional Alemão pôr em questão o “quantitative easing” do BCE, que é uma flagrante compra de dívida dos países do Sul (apenas não compra diretamente aos Estados-Membros falidos, compra no mercado secundário…).

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Esta corajosa decisão vai pelo menos obrigar à discussão dos Tratados sobre a moeda única, quanto mais não seja no que respeita ao princípio original segundo o qual o BCE não pode financiar os países membros do Euro.

Mas esta decisão poderá ter salvo a democracia nos países do Sul da Europa.

De facto, após o fim da crise financeira, assistimos à progressiva instalação de governos da esquerda internacionalista e, nalguns casos, acompanhada ou apoiada pela extrema esquerda radical nesses países, sempre em nome do combate à austeridade (com exceção da Grécia, que levou ao limite a tese e a paciência de um povo inteiro).

Esta ascensão da esquerda nos países do Sul, em contraponto ao seu quase total desaparecimento na Europa do Norte desenvolvida e de Leste, onde a memória não é assim tão curta, só foi possível graças ao amigalhaço Mário Draghi no BCE.

Este, encarregou-se de promover as cigarras e acabar com as formigas aldrabonas.

E com mais ou menos domínio da informação, mais ou menos repressão das vozes discordantes (em Portugal estas já nem sequer existem nos mídia), lá foram saltitando as cigarras “sinistras” (esquerda em italiano), sobre as carcaças exangues dos cidadãos contribuintes.

E com o dinheiro sempre disponível, as cigarras iam atirando uns tostões aos grupos socioprofissionais e empresariais que se calavam sempre na esperança de verem cair mais uma esmola do “Estado”, desculpem, dos pobres contribuintes esmagados pela sua botifarra fiscal.

E apesar de Margaret Thatcher ter enunciado um dos princípios mais eternos da política “que o socialismo acaba quando termina o dinheiro dos outros”, o Draghi continuou a dar-lhes recursos que pareciam infinitos. Para tanto bastou comprar-lhes a dívida nacional, transmitindo ao mercado a mensagem que a mesma seria, em última análise, garantida pelo BCE, ou seja, pelos Estados Frugais (para utilizar uma terminologia em voga).

Já desesperados, os cidadãos contribuintes, apanhados nesta nova luta de classes criada por esta esquerda internacionalista dos capitais obscuros, entre os que contribuem e os que fazem jus à sua qualidade de animais mamíferos, iam perdendo a esperança num país de verdade.

Eis senão quando a decisão do tribunal de Karlsruhe vem de novo repor a essencialidade da “política” enquanto a decisão sobre a aplicação dos recursos escassos, e não inesgotáveis, como faziam crer as cigarras do capitalismo selvagem acoitadas sobre a capa do socialismo.

E com isto talvez se salve a democracia como sistema em que se escolhem os melhores governantes para administrar e aplicar esses recursos, que lembramos, são necessária e definitivamente escassos.

Aguieira, 27 de Maio de 2020