Inesperadamente ou não, a verdade é que os resultados das últimas eleições autárquicas abriram um novo ciclo político com a substancial perda de votos e de câmaras municipais por parte do Partido Socialista: menos 250 mil votos (-12,5%) e menos 64 eleitos (-7%). Ao mesmo tempo, o PCP perdia 52 mil votos (praticamente -10%) e 23 eleitos (-13,4%), para não falar do BE que teve menos 32,5 mil votos e menos 2/3 de candidatos eleitos. No total dos três partidos, a «carangueloja» perdeu 335 mil votos e quase 100 dos 2.000 lugares correspondentes a cinco milhões de escassos votantes.
Quanto ao somatório do PSD, do CDS e dos demais candidatos é demasiado complicado de fazer e nem todos os seus eleitores são necessariamente contra o PS e os seus apêndices no parlamento. Seja como fôr, os três partidos comandados pelo PS perderam cerca de 5% dos votos que tinham tido em conjunto há 4 anos, passando da maioria absoluta de 50,6% para 45,2%. A conversão destes votos para uma futura eleição legislativa está, porém, muito longe de garantida. Dito isto, a vitória de Carlos Moedas no concelho de Lisboa, inesperada como foi, provocou um «estado de espírito» em matéria político-partidária totalmente diverso daquele que reinava até há dias.
Quanto à forma demagógica como o primeiro-ministro tomou conta da campanha do PS, ignorando simultaneamente a diversidade das questões autárquicas e impondo ao eleitorado as promessas da bazuca europeia, que muitos eleitores já perceberam reduzirem-se à habitual caça aos fundos europeus cuja visibilidade é longínqua e tardia quanto aos prometidos resultados. Conhecendo a casa, não veremos nada de tangível tão cedo, sobretudo nas ambiciosas áreas europeias do ambiente e da digitalização para as quais Portugal é, certamente, um dos países pior preparados: basta comparar o nosso nível de educação e a burocratização estatal com o resto da UE para antecipar as dificuldades.
Ao contrário do que o primeiro-ministro crê, a «bazuca» pouco mais garante do que emprego nas obras e no turismo; possivelmente nas estradas e no caminho-de-ferro. A habitual farsa da formação e da reciclagem dos trabalhadores continuará a depender da vontade das centrais sindicais e só trará pseudo-progressos aos assalariados. Por sua vez, a criação de um Banco de Fomento à antiga para gerir o dinheiro oferecido, quando todos os outros bancos nacionais estão em dificuldade, se não falidos, como o «Novo Banco», tal ideia nada de bom prenuncia com a inflação a espreitar atrás da porta! Quanto à burocracia estatal, quem não a conhece que se prepare, pois em Portugal o serviço público é, como sempre foi, a maior fonte de empregos garantidos e, simultaneamente, de fraca ou nenhuma competência.
Mais graves e urgentes são a profunda crise demográfica assim como os custos cada vez mais insustentáveis do envelhecimento populacional à luz da conhecida baixa produtividade económica do país. Esta última remete directamente para o atraso comparativo do nosso nível educacional. Terá sido isto que fez despertar nos últimos dias a preocupação governamental ao falar da necessidade de criar «escolas maternais», como lhes chamam em França há mais de um século. Para chegar a esse nível, seriam necessárias amanhã mais de 2.500 escolas infantis gratuitas, coisa que o PS está muito longe de começar e quanto menos terminar em prazo rápido. Com efeito, só isso e a revisão do sistema de reformas e pensões é que permitirão reduzir os efeitos catastróficos do envelhecimento demográfico.
Ora bem, perante esta situação dramática do país, abre-se com efeito uma possibilidade de mudança que só pode vir dos partidos políticos, concretamente, da substituição da actual «caranguejola» patrimonial por uma genuína aliança demo-liberal. Na prática, tal solução parece remota. Entretanto, o custo da continuação do actual governo só aumentará. O PSD teria pois de considerar a hipótese de o seu actual líder, Rui Rio, assumir tal encargo. Pelo que mostrou até agora, isso parece longínquo… Dos candidatos a substituí-lo, nenhum promete e, quanto a Carlos Moedas, sou de opinião que não deve abandonar a Câmara de Lisboa. Por seu turno, o CDS, a IL e o próprio PAN, sem esquecer o eleitorado do CHEGA, teriam de contribuir para por termo ao corporativismo estatista da «caranguejola», o qual continua a enterrar o país com «bazuca» ou sem ela! Com a colaboração do PR ou não, estamos a dois anos das próximas legislativas. Agora, é fundamental conceber um país muito diferente do que tem sido nos últimos tempos!
P.S. O «Público» dedicou dia 3 um editorial e duas páginas de texto acerca do empolado número de eleitores nas eleições portuguesas, assunto que aqui tenho abordado muitas vezes. Omitiu contudo o principal, ou seja, o facto de os órgãos autárquicos dependerem financeiramente desse falso número de eleitores: o assunto é conhecido mas está escondido há muitíssimos anos.