Quem tivesse ouvido António Costa umas horas antes da contagem final dos votos, empenhado como nunca se vira o primeiro-ministro nas eleições autárquicas, acreditaria que o PS obtivera uma vitória clamorosa. Tais foram o seu envolvimento na campanha eleitoral e a sua precipitada arrogância ao declarar a vitória do PS em 2021 que poderíamos não ver que, na realidade, o PS perdeu 250 mil votos e 12 câmaras municipais, além das perdas do PCP (menos 6 câmaras) e do BE, num total de 400 mil votos a menos em favor da «caranguejola». Em suma, uma perda conjunta superior a 5% em relação a 2017, caindo assim de 50% para 45% dos votos.

Até aqui, perante o discurso mistificador do primeiro-ministro, o que se pode dizer é que o PS e os seus aliados haviam sofrido uma perda limitada de votos e de câmaras municipais. Entretanto, a cidade do Porto mantinha-se na mão do franco-atirador Rui Moreira e o Funchal voltava ao PSD local, ao mesmo tempo que o presidente socialista da câmara de Coimbra, cabeça da Associação de Municípios, fora derrubado pelo ex-bastonário da Ordem dos Médicos apoiado pela oposição…

O primeiro-ministro desprezou tudo isso no seu interminável discurso enquanto os eleitores aguardavam com expectativa a contagem final dos votos no concelho de Lisboa dominado pelo PS durante décadas. Até que, nas primeiras horas de segunda-feira, o eleitorado lisboeta acabou por dar a vitória a Carlos Moedas, antigo secretário de Estado do governo de Passos Coelho, Comissário Europeu durante 5 anos e actual líder de um agrupamento de partidos contra o PS. Por escassos 3.000 votos, que não lhe conferem aliás a maioria dos vereadores, a sua vitória derrubou a dominação que o PS tem exercido sobre a cidade de Lisboa bem como a sua pretensa invencibilidade… Assim nos livrámos de um potencial sucessor de António Costa!

A eleição de Moedas, apesar das dificuldades com que irá defrontar-se no terreno municipal, não só abriu uma janela aos partidos e movimentos de oposição à actual coligação governamental, como forneceu aos partidos centristas tradicionais – o PSD e o CDS – uma nova credibilidade política, ao mesmo tempo que chamava a si novos agrupamentos como os Liberais e porventura o PAN, sem necessidade de apoios por parte do CHEGA, o qual não deixou de ser o mais forte dos pequenos partidos no domingo passado com mais de 200 mil votos.

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Quanto à «chapa» PSD+CDS, apesar de se apresentar de formas diversas segundo as localidades, representou nestas eleições autárquicas mais de milhão e meio de votos, ou seja, cerca de 35% dos eleitores de múltiplas localidades, aparentemente desarticuladas do ponto de vista nacional, mas em número igual ou mesmo superior ao PS. Em princípio, falta organizá-las. Resta saber se o actual líder do PSD, Rui Rio, que se viu claramente reforçado pelos ganhos da oposição à «geringonça» e pela árdua vitória de Moedas, será capaz de reorientar o PSD assim como estreitar as suas relações com o CDS.

Escrevi na semana passada que, provavelmente, as eleições autárquicas pouco impacto teriam a nível nacional. Errei. Graças à persistência de Carlos Moedas e dos seus apoiantes na conquista de Lisboa, abriu-se uma nova oportunidade de fazer oposição a sério a uma «geringonça» manifestamente enfraquecida e à qual não será tão fácil como se julga, a distribuição do dinheiro grátis proveniente da União Europeia. Com efeito, não creio que as receitas inflacionistas atribuídas a Keynes pelos «estatistas» e «corporativistas» que têm dominado a economia portuguesa desde o tempo infrutífero de Guterres e dos seus sucessores socialistas, sirvam neste caso, nem aliás os «frugais» europeus o permitiriam.

Quanto aos abstencionistas, não param de aumentar, chegando praticamente a metade (46%) dos alegados eleitores, cujo recenseamento é uma mistificação encenada pelos sucessivos governos e autarquias sem se perceber outra racionalidade que não seja atrair localmente os dinheiros provenientes do Estado e da UE. Já faltou mais para que um dia destes haja tantos recenseados como habitantes… ou mais.

Uma consequência dos recenseamentos inflacionados que os governos se têm recusado a «limpar» de vez para bem de todos, é a questão da abstenção, a qual se coloca sempre que há eleições, como se viu novamente nas autárquicas de domingo. Os responsáveis pela inflação respondem, com falsa ingenuidade, que a abstenção não tem importância, pois o que conta são os votos expressos, o que não é mentira mas encobre certamente muita manipulação. Por sua vez, a abstenção – autêntica ou falsa – concorre para dificultar as sondagens, as quais começam por ser manipuladas pelos «media» e a seguir distorcem a leitura que as pessoas fazem delas, alimentando assim aquilo a que se chama «a espiral do silêncio» perante a qual as pessoas se calam ou dão a resposta que pensam ser aquela que os inquiridores desejam.