O último golpe publicitário do PS para as próximas eleições autárquicas, após o estranho anúncio da possível candidatura da ministra da Saúde à liderança do partido dentro em pouco (?!), foi a promessa de mexer em breve nos escalões do IRS dando a pensar que iria baixar os impostos. Com a comunicação social a reboque, o primeiro-ministro insinuava assim que, no conjunto, todos pagaríamos menos imposto: os «ricos» mais, naturalmente, mas cada um dos membros dos «pobres» muito menos… Vejamos, então, onde se esconde a profunda hipocrisia da promessa.

Não sendo economista nem fiscalista, tive oportunidade há anos de fazer um inquérito encomendado pelo PS, então dirigido pelo Eng.º Guterres, sobre as atitudes da população portuguesa em relação ao sistema fiscal. Embora já tenha passado bastante tempo, estou convencido que a esmagadora maioria da população portuguesa continua a não ter informação suficiente para perceber como funciona a nossa tortuosa e iníqua máquina fiscal. Desvendemos, pois, alguns segredos do fisco português.

Segundo o último resumo disponível, o governo encaixou em 2020 o mesmo montante de impostos que em 2017 apesar da quebra do PIB. Isso não impediu, contudo, que o IRS tenha atingido o máximo histórico de 13,5 mil milhões de euros. Sendo o imposto directo o único que atenua as diferenças de rendimento entre as pessoas, o nível redistributivo em Portugal é contudo muito baixo e boa parte vai para pagar os funcionários públicos. Com efeito, o IRS é uma parcela limitada dos impostos cobrados pelo Estado (30%), atingindo menos de metade da população com a equívoca justificação de baixo rendimento quando todos deveríamos declará-lo. O grosso do fisco está nos impostos indirectos (24 mil milhões), nomeadamente o IVA (16,3 mil milhões), sem falar de múltiplos antigos como os que se aplicam à fileira automóvel (7,7 mil milhões).

Ora bem, foi neste contexto obscuro e mistificador do IRS que o governo, apesar de minoritário, proclamou na véspera das eleições autárquicas a alteração dos impostos incluídos até aqui no 3.º e 4.º escalões. Pouco antes, António Costa tinha afirmado que não mexeria no IRS, mas o eleitoralismo levou a melhor como é costume do PS.

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Assim, mais de metade da população continuará sem pagar imposto sobre o rendimento, enquanto milhão e meio de famílias, ou seja, menos de metade da totalidade dos agrupamentos familiares do país segundo o último recenseamento, será atingido pela mudança: uns para melhor e outros para pior. Segundo se percebe, os contribuintes do 3.º escalão – isto é, entre 20 e 30 mil euros de rendimento anual – seriam divididos em dois escalões e passariam a pagar menos, enquanto os do 6.º escalão – entre 37 e 80 mil €/ano – se desdobrariam de maneira a «beneficiar a classe média», seja lá o que o PS quer dizer com isso na véspera de eleições!

Na realidade, esta misteriosa promessa anunciada na véspera das eleições autárquicas mais não faz do que jogar com uma vaga oposição ideológica entre «pobres» e «ricos», como se estivéssemos a falar de pedintes e milionários… Em contrapartida, não corrige o enorme peso de impostos indirectos como o IVA – isto é, iguais para todos cada vez que bebem uma cerveja, compram um automóvel ou enchem o depósito – e dos impostos directos do IRS baseado nos rendimentos efectivos de cada agregado doméstico. A esses, acrescem os misteriosos impostos sobre o capital: 5 mil milhões de euros de impostos no ano passado calculados em base desconhecida do público.

Esta deliberada opacidade do sistema fiscal português faz dos contribuintes uma espécie de Jesus Cristo que «não sabe nada de finanças», como escrevia Alberto Caeiro. Apesar da criação do IRS no tempo do primeiro- ministro Cavaco Silva, os impostos indirectos continuam a prevalecer de longe sobre os directos, confirmando assim a gula fiscal estatista e proteccionista do estado português e em especial do PS.

Ora bem, em Portugal o total das receitas fiscais, incluindo o IRS, elevou-se no ano passado a 43 mil milhões de euros, ou seja, quase 18% do PIB, dos quais o IRS não chega a 5%. Sendo este, conforme já disse, o imposto por excelência através do qual todos os países minimamente organizados do ponto de vista sócio-económico procedem a um máximo de redistribuição do rendimento entre o conjunto dos cidadãos, aquilo que se observa em Portugal é que tal imposto não chega a 5% do PIB.

Trocar uns quantos milhares de contribuintes de um escalão para outro, fazendo-lhes crer na redução dos impostos a pagar, é pois uma mistificação indigna na véspera das eleições autárquicas. Repare-se que essa verba de cerca de 13 mil milhões de euros é praticamente igual àquela que o Estado investe na saúde pública, quando já se confirmou que esse dinheiro não chega para o normal funcionamento do SNS. Nem de longe. Não passam tudo de promessas eleitorais.