Em 2012, segundo a Reuters, só 28% dos ucranianos achava bem a adesão do país à NATO. Em 2017, eram 69%. O que explica esta mudança? A expansão agressiva da NATO para leste, como diz Putin? Claro que não: foi a invasão russa de 2014, e a anexação da Crimeia. Foi essa primeira violação da sua soberania que fez a opinião pública ucraniana rever as preferências geopolíticas, tal como agora acontece na Suécia depois da nova agressão russa à Ucrânia.

Nunca houve uma política de alargamento da Nato que consistisse em forçar as nações da Europa central, contra a sua vontade, a juntarem-se à aliança. O que houve foi uma vontade dessas nações, após anos de domínio imperial russo, em versão czarista e depois soviética, de garantirem as suas independências contra uma reactivação desse império. Foi isso que fez correr esses países para debaixo da capa da NATO, e não o fantástico projecto de cercar e invadir a Rússia.

Em 1994, a Ucrânia obteve da Rússia a promessa de respeito pela sua soberania, em troca das suas armas nucleares. Em 2014, viu o que valia essa promessa. Na Europa central, perante a Rússia de Putin, nenhuma nação pode ser soberana, nenhuma democracia pode funcionar, sem a única garantia que ainda parece contar, que é a do artigo 5 da NATO. Sem essa segurança, os manifestantes e eleitores ucranianos sabem que de nada lhes valerá manifestarem-se ou votarem. Será Putin a decidir quem os governa e como serão governados.

Essa é a razão pela qual a Ucrânia procurou a NATO. A NATO, porém, não abriu a porta à Ucrânia. A razão dada é o receio de uma guerra com a Rússia. Mas porque é que o Ocidente deveria ter mais medo de uma guerra do que Putin? Que teria acontecido se antes de 24 de Fevereiro a NATO tivesse convencido Putin de que enfrentaria uma resposta militar caso invadisse? Teríamos tido a III Guerra Mundial? Ou, pelo contrário, essa ameaça teria dissuadido o ditador russo e não teria havido invasão?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

A relutância ocidental em integrar a Ucrânia só teve um efeito: convenceu o ditador russo de que o custo de uma segunda invasão nunca seria alto, e tornou assim a guerra inevitável. Que viu Putin aliás desde a primeira invasão? Os países ocidentais prosseguiram os negócios com a ditadura russa, do Nord Stream 2 à venda de armamento. Este ano, pouco antes da invasão, Biden teve até a cortesia de informar Putin de que não precisava de se preocupar com uma intervenção armada ocidental. Putin terá pensado: para o Ocidente, Kiev será como Kabul. A integração da Ucrânia na UE ou na NATO poderia ter-lhe feito perceber que não seria assim.

Dir-me-ão: mas isso era antes da guerra. Agora, uma integração da Ucrânia na NATO significaria um confronto militar imediato com a Rússia. É verdade, e também é verdade que os ucranianos, neste momento, não precisam de soldados da NATO, mas de armas. O Ocidente, porém, pode e deve fazer mais, mesmo sem enviar tropas. Nem Putin nem os ocidentais faziam ideia de que na Ucrânia havia um governo e um povo dispostos a resistir, e capazes de suster os exércitos russos durante mais de vinte dias. Foi isso que obrigou finalmente o Ocidente a agravar sanções e a enviar armamento. Não foi porém suficiente para a UE boicotar o petróleo e o gás russos. Neste momento, os governos europeus encontram-se na estranha posição de estar a financiar ambas as partes: os invadidos, através de entregas de armamento, e os invasores, através de compras de petróleo e gás. E a razão de tudo isto está na dependência energética e na fragilidade económica do Ocidente, mais aterrorizado pela inflação do que pelas armas nucleares de Putin. Não é assim que o Ocidente fará Putin recuar. Os ucranianos sacrificam a vida no terreno. Não poderiam os ocidentais sacrificar um pouco do seu conforto?

Na quarta-feira, referindo-se ao encerramento do espaço aéreo, Zelensky perguntou ao Congresso americano: “é pedir demais?” Ele deve desconfiar que sim, porque no mesmo dia, correu que a Ucrânia estaria disposta a renunciar à sua aspiração de integrar a NATO. Se for esse o preço para pararem os cercos e bombardeamentos das cidades, ninguém poderá dizer aos ucranianos: não paguem esse preço. Mas também ninguém tem o direito de lhes dizer, se não o quiserem pagar: desistam já. Porque ninguém tenha dúvidas, como não terá Zelensky: a Ucrânia fora da NATO estará sempre à mercê de Putin. E isso nunca garantirá a paz na Europa.

Se a actual guerra terminar pela chamada “neutralização” da Ucrânia, podemos ter a certeza de que não será a última guerra. A Áustria ou a Suécia não são exemplo neste caso. O “estatuto de neutralidade” para a Ucrânia apenas significaria que o país ficaria para sempre sujeito às “operações especiais” de Putin. Já sabemos que os ucranianos não estão muito disponíveis para agradar ao ditador russo. Nunca, portanto, faltariam motivos para mais uma invasão, até esta se tornar, se já não é, uma situação permanente. Teríamos na Europa uma enorme Síria, fonte constante de atrocidades, de miséria e de refugiados. Todas as democracias e economias europeias sofreriam com esse foco de insegurança. E um dia, tudo subiria de escala. Querem garantir que haverá uma III Guerra Mundial? Deixem a Ucrânia indefesa perante as invasões de Putin.

Não há outra solução de paz para a Europa senão a futura integração da Ucrânia na UE e na NATO, e o Ocidente devia desde já deixar claro que é isso que irá acontecer, se o governo ucraniano quiser. E não, não é uma questão de emoções, de moral ou de ideologia. É uma questão de segurança nacional para cada um dos países ocidentais. É, se quiserem, uma questão de realismo. O único modo de fazer Putin desistir de mais aventuras na Europa é persuadi-lo de que arrisca mesmo uma resposta militar ocidental. Há um risco nuclear? O Ocidente não pode ser o único a ter esse receio. É um medo que é preciso fazer Putin partilhar, como durante a Guerra Fria foi partilhado pela URSS. Se o Ocidente continuar a ser o único a ter medo, a mostrar fraqueza e a hesitar, terá mais guerras, e não menos. É pedir demais?