Tal como os milhares de especialistas instantâneos que se atropelam nas televisões, também eu não sei o que se passa na Rússia. Mas faço ideia do que se está a passar no Ocidente a propósito da guerra na Ucrânia, e é preocupante. Resumindo, passámos de uma situação em que ninguém esperava que a Ucrânia resistisse um par de semanas, para outra em que todos esperam – e quase exigem – que a Ucrânia vença num par de dias. A sublevação do exército privado de Prigozhin pôs toda a gente a falar da ditadura de Putin como um fruto maduro. Seria só estender a mão. Há já quem avise os ucranianos, de relógio na mão: ou provam que são capazes de ganhar agora, ou acabou-se e terão de aceitar a partilha do país com Putin.

Esta inversão de expectativas é insensata. Tornou-se hábito, a propósito da Ucrânia, aludir ao risco de uma III Guerra Mundial, com recurso a armas nucleares. Não se pode excluir. Mas por enquanto, o que temos visto no terreno, tanto quanto nos é dado ver, não é a III Guerra Mundial, mas uma espécie de I Guerra Mundial, com soldados em trincheiras e duelos de artilharia. Para replicar mais fielmente as condições de 1914-1918, até a aviação, decisiva nas outras guerras do século XX, terá sido limitada pelas defesas anti-aéreas. Ambos os lados parecem suficientemente bem instalados em posições defensivas para transformarem as ofensivas do lado contrário em sangrias mais ou menos infrutíferas, tal como aconteceu durante anos na I Guerra Mundial.

Muita coisa pode acontecer, mas faz pouco sentido exigir que a Ucrânia resolva a guerra numa só contra-ofensiva, tanto mais que os países do Ocidente lhe continuam a racionar recursos fundamentais. A oportunidade para esse tipo de golpe decisivo poderá ter passado há meses, mas a Ucrânia não tinha então os tanques, os mísseis, os aviões, e o treino necessários. O Ocidente não pode esperar que a Ucrânia vença antes de completar o seu armamento. De facto, os ocidentais esperam ainda mais coisas. Nesta guerra, a Ucrânia provou que é uma nação e que tem um exército, ao contrário do que muitos pensavam. Mas há ocidentais para quem isso não chega. A revista The Economist da semana passada era a esse respeito instrutiva. A ideia é levar a Ucrânia, no meio de uma guerra, com um quinto do seu território ocupado e as suas cidades sob ataque diário, a fazer grandes reformas, a apurar a democracia, a erradicar a corrupção, a tornar-se uma Suíça. Só assim poderia justificar a ajuda ocidental e uma futura integração na NATO.

Esta guerra não dá jeito nenhum aos ocidentais, ao contrário do que diz a propaganda de Putin. Não lhes dá jeito renunciar ao gás russo, nem lhes dá jeito aumentar as despesas militares. Por isso, demoram a armar a Ucrânia, supostamente com receio de uma escalada, e por vezes é como se andassem à procura de álibis para a deixarem cair: ou porque não é capaz de vencer imediatamente, ou porque não é tão transparente como a Suíça. Mesmo o alarme acerca da possibilidade de Trump regressar no ano que vem, e entender-se com Putin, parece mais um meio de pressionar a Ucrânia: ou ganha já, ou desiste.

O Ocidente vê agora Putin como fraco, e tem razão. Mas Putin também vê fraquezas no Ocidente, e também tem alguma razão. Daí que este seja um conflito existencial para todos. Pode ser que haja um golpe de sorte, no campo de batalha ou fora dele, como a insurreição de Prigozhin pareceu durante umas horas. Oxalá. Mas talvez esta guerra tenha de ser vencida como a I Guerra Mundial, por uma combinação de persistência militar e estatísticas económicas. O Ocidente precisa de estar pronto para isso. Há que ajudar a Ucrânia – e saber ter paciência. 

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