A notícia quase que não merece ser notícia em Portugal se o critério for o da novidade. Os cuidadores informais desconhecem que desde há um ano podem beneficiar de um estatuto próprio e de apoios específicos. E porque é que desconhecem? Porque, apesar de legislado e devidamente publicitado, os apoios efetivamente não chegam ao destino e o ministro das Finanças agradece, sempre se poupa algum para o défice.

É uma técnica velhinha em Portugal. Anunciam-se políticas, discutem-se no Parlamento, são usadas em campanha eleitoral, mas no fundo é só política, não é mesmo para fazer. Aliás, esse é o compromisso assumido para o Governo deixar passar estas leis que, se fossem levadas a sério, levavam o dinheiro que não se quer gastar com quem não incomoda.

Outro tema que parece não incomodar ninguém é o da demografia. Os dados recentes mostram que a pandemia veio acrescentar mais desgraça à desgraça. Portugal regista um saldo demográfico negativo (morrem mais pessoas do que nascem) desde 2009. Os dados do primeiro trimestre de 2021 mostram que nasceram ainda menos bebés. Um número tão baixo só se tinha registado em 2015. Ao que tudo indica, Portugal vai ter este ano a taxa de natalidade mais baixa de sempre, abaixo dos 80 mil bebés.

Alguém ouviu algum político no ativo preocupado com isto nos últimos anos? Não, e porquê? Os velhos não se queixam e os bebés não votam e o que está na agenda dos partidos políticos são as eleições daqui a uns meses ou daqui a um ano ou dois. Nada do que foi dito atrás pode ter impacto para esses resultados e, por isso, não vale a pena perder tempo com essas questões.

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A cegueira e a ausência de um pensamento estratégico que vá para lá das conveniências pessoais está, aos poucos, a matar o país. Um país sem crianças não é só um país sem futuro, é também um país que vai definhando sem capacidade, sem energia e sem criatividade.

Os números da nossa desgraça são estes: há 1,4 milhões de cuidadores informais, que devem cuidar de um número semelhante de pessoas; as mulheres em Portugal têm, com tendência para baixar, 1,43 filhos; em 2020 houve mais 12.220 mortos do que a média dos últimos cinco anos.

Se estes dados fossem tidos em conta na administração de uma qualquer empresa, tocariam todas as campainhas de alarme e duas hipóteses seriam consideradas: declarar falência e fechar a porta, ou aplicar medidas de emergência para inverter os números e garantir o futuro.

No Governo de Portugal, duvido sequer que estes números alguma vez tenham estado em cima da mesa do Conselho de Ministros. É fazer as contas, diria António Guterres, e perceber o caminho para a desgraça. Honra seja feita ao Secretário-Geral das Nações Unidas, que foi o último político português que levou este tema para o Programa de Governo. É certo que pouco ou nada foi feito, mas ao menos preocupou-se e mostrou que o que lhe faltou em capacidade de ação não lhe faltou em visão estratégica.

Numa altura em que falamos em Recuperação e Resiliência, não percebemos o essencial. Não há Resiliência sem pessoas, mas sobre isso a famosa bazuca não tem uma linha. E, enquanto isso, os cuidadores informais não param de crescer e de gastar a vida que lhes resta a prestar aos seus o auxílio que o Estado devia garantir.

Entretanto, num comício perto de si, há políticos a autoproclamarem-se salvadores da pátria. Talvez deixe de ser mentira quando já não estiver cá ninguém e a pátria desaparecer.