Paulo Rangel entrou na corrida à liderança do PSD e tratou de desembaraçar-se de um assunto que podia desfocá-lo desse propósito: a sua homossexualidade. Por muita importância que o assunto pessoalmente tenha para Paulo Rangel, e até admitindo que a meio da sua campanha à chefia dos sociais-democratas o tema aparecesse vindo sabe-se lá de onde, cirurgicamente a tempo de se transformar num caso, a questão que se coloca neste momento não é a saída do armário da sexualidade de Paulo Rangel mas sim a do espaço político que ele representa e que tudo indica quer liderar: Portugal é hoje um país em que se tolera a não esquerda. Desde que esta não esquerda não tenha um discurso próprio, desde que não dê nas vistas, desde que aceite o estatuto de subalternidade ideológica e cumpra o papel que lhe está reservado: provar que Portugal é uma democracia com eleições livres embora não se tome muito a sério que outros além do PS as possam ganhar.

A leviandade fútil de Marcelo Rebelo de Sousa que o fez normalizar os afastamentos da PGR Joana Marques Vidal e do presidente do Tribunal de Contas Vítor Caldeira ou o regresso das 35 horas à função pública, a par do ódio de Rui Rio a Passos Coelho que o levou a preocupar-se mais em destruir o legado de Passos do que em fazer oposição, garantiram a António Costa um governo sem escrutínio nem oposição.

A pandemia fez o resto: desconfinamos agora num país em que o aparelho de Estado se tornou numa máquina de manutenção do poder socialista e em que se admite que enquanto houver dinheiro para distribuir o PS irá buscar votos.

Paulo Rangel quer romper com isto? E querendo acha que consegue romper o teto mediático que transforma em extremista tudo aquilo que não repete a retórica do progressismo? Ou será que vai acabar como Carlos Moedas cuja competência é indiscutível e cujo curriculum me parece mais interessante que o de Rangel, a espatifar o seu capital político apresentando-se em cartazes que dizem que quer “Melhor Lisboa” por antítese a um Fernando Medina que garante “Mais Lisboa”? Enfim, se é para nos apresentar um socialismo um bocadinho mais decente que o actual mais vale Paulo Rangel manter-se nessa reserva de novos estrangeirados que são os eurodeputados.

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A isto, que não é pouco, junta-se uma outra questão: que país se propõe Paulo Rangel governar? Ou mais propriamente em que medida será esse país governável? Afinal todos os dias pagamos um preço altíssimo pelo poder de António Costa: não só todas as reformas são adiadas como o que se conseguiu no passado é revertido para comprar o BE e o PCP. Da TAP às leis do trabalho; do ensino em que a ordem é desvalorizar os conteúdos à Segurança Social cuja sustentabilidade é um tabu, Portugal está refém das diversas clientelas e do jogo de cacete e cenoura que os governos de António Costa mantêm com essas clientelas.

Paulo Rangel acredita que é possível ir para eleições com um discurso de contraponto a este estado de coisas? Ou intui que a sua hora poderá chegar quando e se a inflação e novas políticas do BCE levem a Bruxelas a seguir o exemplo de Biden e concluir que não se pode continuar a espatifar o dinheiro dos contribuintes em países cujos governos e élites não cumprem o seu papel?

No gesto de Paulo Rangel vê-se a determinação de quem se quer desembaraçar de escolhos para não ser apanhado em falso. Mas, para usar a irritante linguagem destes tempos, da orientação sexual de Paulo Rangel já sabemos. O que falta (e acredite que isso é realmente importante) é saber qual é a sua orientação política.

PS. Temos de trocar umas ideias sobre o que é ser conservador. Vem isto a propósito da afirmação feita por Rui Pedro Antunes no artigo “A semana em que Rangel afastou os fantasmas que faltavam para avançar para o PSD“: “Em Portugal, mesmo sendo um país evoluído em matéria de direitos dos homossexuais, há ainda a ideia de que ser homossexual pode ser uma menos-valia no combate de um partido como o PSD, que ainda tem alguns setores mais conservadores.” Na verdade nesta e noutras matérias os conservadores revelaram-se em Portugal (e não só) menos intolerantes que os auto-denominados progressistas – e nem sequer precisamos de recuar ao caso da expulsão de Júlio Fogaça do PCP por ser homossexual. (A propósito a comissária política que o PCP colocou no Museu do Aljube vai incluir ou não o nome do antigo dirigente comunista nas pontes que se propõe fazer entre a resistência à Ditadura e os direitos LGBTI? Ou vai dizer que nunca teve oportunidade para se informar sobre a vida de Júlio Fogaça como fez quando interrogada sobre o Gulag?) Casos como o da reacção do PS à relação de Sá Carneiro com Snu Abecassis, o espancamento de homossexuais na Festa do Avante e sobretudo aquele aviltante “O senhor não sabe o que é gerar uma vida. Eu tenho uma filha. Sei o que é o sorriso de uma criança” proferido por Francisco Louçã num debate com Paulo Portas são testemunhos da intolerância de uma esquerda que debita slogans e cujos actos raramente são escrutinados.