Não é necessário ser economista de profissão para nos apercebermos dos efeitos perversos do investimento externo desde que a crise se instalou fazendo deslizar continuamente a economia nacional perante a globalização. Com efeito, ainda há poucas semanas, quando um grupo financeiro mexicano proclamou a intenção de lançar uma OPA sobre a empresa do Grupo Espírito Santo para o sector da saúde, isso foi anunciado quase como um feito nacional. Hoje, o assunto desapareceu dos títulos dos jornais e as perplexidades instalaram-se, deixando-se de falar da possibilidade do lançamento de uma contra-OPA por parte de grupos portugueses com interesses económicos na área da saúde, como o Grupo Mello saído dos antigos hospitais da CUF.

Há fortes razões para duvidar da bondade de investimentos como este. Em primeiro lugar, a natureza dos capitais mexicanos que se anunciam. Não por serem mexicanos, mas sim pelo facto de a crise apenas ter trazido capitais originários dos «emergentes» da globalização. Não é preciso recordá-los: angolanos, chineses, brasileiros, agora mexicanos e antes os colombianos que queriam a TAP… Só esse tipo de capital aparece em Portugal, alegadamente para investir, mas a maioria das vezes com intuitos especulativos que rapidamente se confirmarão e como parece acontecer já com a brasileira Oi ao contribuir para destruir a antiga PT.

Com raríssimas excepções, como os grupos brasileiros que entraram a indústria do cimento, a última vez que o grande capital industrial estrangeiro investiu a sério em Portugal foi a Volkswagen há perto de 25 anos. Entretanto, a Qimonda, igualmente alemã, chegou a ser o nosso maior exportador mas foi-se embora logo no início da crise, apesar das fanfarronadas do então primeiro-ministro Sócrates.

Ou seja: se há prova que a actual crise internacional corresponde à perda de importância económica e política dos velhos países capitalistas do eixo anglo-americano e da União Europeia, assim como dos seus pequenos satélites como Portugal, é o surgimento em força do investimento dos «emergentes». Praticamente, só eles é que investem. É isto que o surgimento dos interesses mexicanos confirma, com o invariável cheiro a petróleo de muitos deles.

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E não se trata apenas nem sobretudo da natureza económica destes interesses, mas também da sua natureza política, ou seja, da falta de democracia da maior parte desses países, assim como da sua instabilidade governamental, como acontece até no Brasil, sempre associada à permanente colusão entre os Estados e as empresas privadas, a qual torna os destinatários dos investimentos alvos da especulação, da imprevisibilidade política e até da nova «guerra fria» encabeçada pela Rússia pós-soviética.

Finalmente, o aspecto menos focado dos efeitos perversos desta proposta de investimento, sem contributo tecnológico ou managerial que se veja, reside na natureza concreta da empresa visada. Com efeito, a Espírito Santo Saúde é o típico resultado dessas empresas privadas que cresceram totalmente à sombra do Estado português. Nem sequer é original a ideia de transformar os cuidados de saúde e de apoio a idosos numa indústria exportável. Já António Ferro sonhava com isso no tempo do Secretariado de Estado da Propaganda nos anos Trinta e Quarenta do século passado. Mas nunca aconteceu. E no Algarve também não, apesar de se falar disso permanentemente. Na minha modesta opinião, porque não há oferta e muito menos procura para isso!

Em compensação, o que tem funcionado, sobretudo desde os governos Sócrates, é a pseudo-privatização da saúde através das famosas «parcerias público-privadas», das quais esta empresa do GES possui a joia da coroa (o novo Hospital de Loures, cujos utentes são praticamente todos pagos pelo Serviço Nacional de Saúde do qual este hospital continua aliás dependente do ponto de vista médico). Algo de semelhante se diga de todos os outros estabelecimentos particulares de saúde financiados por uma ADSE cuja taxa (3,5%) não cessa de aumentar e vai directamente do bolso dos funcionários e dos reformados da Caixa Geral de Aposentações para o sector privado. São seguramente muitas centenas de milhões de euros por ano que o Estado transfere para o sector de saúde privado, além das brutais transferências do SNS.

É disto que os investidores mexicanos andam à procura. Não se trata de criar uma nova indústria privada da saúde transacionável. Isso seria excelente. Porém, o verdadeiro objectivo é recuperar clientes pagos numa bandeja, mas cujos impostos fazem parte do nosso «estado social». A isto, que não é pouco, acresce obviamente o facto de a marca Espírito Santo trazer consigo encargos financeiros impossíveis de calcular para o próprio «Novo Banco» e é possível que uma boa parte do dinheiro vivo mexicano desapareça no buraco do GES. Em suma, a acumulação de efeitos perversos deste tipo de investimento externo, a confirmar-se, constituirá mais um degrau que o tecido económico nacional descerá por falta de bom investimento.