Independentemente do que as pessoas farão no domingo 26 de Maio, já sabemos que a grande maioria irá abster-se nas próximas eleições europeias. Há cinco anos, abstiveram-se e votaram branco ou nulo dois terços dos eleitores e não há razão para pensar que votarão muitos mais. Isso mostrará a pouca confiança que o eleitorado tem, em geral, nos partidos concorrentes, muitos dos quais foram fundados há pouco tempo e vão à procura de um primeiro eleito, mas mais do que isso, assim como a distância a que os Portugueses se sentem dos poderes concentrados no Parlamento de Estrasburgo e sobretudo em Bruxelas.

Grande parte dessa desconfiança deriva daquilo a que chamo o «défice democrático europeu». Os regimes dos países que formam a União Europeia (UE) são formalmente democráticos mas, na prática, há um défice político entre os eleitorados nacionais e a governança europeia que consiste no duplo discurso mantido pelos governos de cada país que dizem uma coisa em sede europeia e outra na sede nacional de cada um. Os governos portugueses foram sempre, desde a adesão à CEE em 1986, dos que mais frequentemente dizem uma coisa lá e outra cá, de molde a desresponsabilizar-se dos eventuais inconvenientes que as decisões colectivas possam ter e a reivindicar os benefícios dessas decisões como se estas fossem deles, governos e partidos nacionais.

O caso actual do Partido Socialista, através de uma óbvia divisão de tarefas entre o primeiro-ministro e o ministro das Finanças, já é conhecido: em Portugal a «austeridade» acabou e em Bruxelas continua. Cá dentro, o governo gaba-se de o país florescer mas lá fora beneficia dos favores do Banco Central Europeu em nome do buraco da dívida e da estagnação económica: desde 2000 até hoje o país cresceu menos de 1% ao ano!

A «Europa» é, assim, responsabilizada, simultaneamente, por nos obrigar a controlar as finanças públicas, o que não permitiria por exemplo aumentar os ordenados dos professores, e por não nos emprestar dinheiro para deitar fora, por exemplo contratando familiares e «clientes» do PS… É este comportamento sistemático que gera o «défice democrático», atirando os governos nacionais as culpas para cima de uma «Europa» remota e adversa. Não é, pois, de admirar que o eleitorado se sinta distante das políticas europeias, apesar de beneficiar delas, e sobretudo que desconfie da «língua bífida» dos governos e partidos. Desde que Mário Soares nos fez entrar na CEE nunca mais ninguém explicou que, se não fosse a UE, Portugal nunca mais teria saído da cepa torta como sociedade e como economia.

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Nestas condições, que não são exclusivas de Portugal e do seu mais antigo aliado, mas abrangem também países mediterrânicos como a Itália e a Grécia, assim como a Polónia e a Hungria, devido à tardia herança do catolicismo, além dos cépticos que há em todos os países, em tais condições, não é de admirar que seja grande o distanciamento cultural de boa parte do eleitorado europeu em relação à burocracia de Bruxelas e que muita gente se abstenha ou vote contra os partidos moderados que estão na origem da UE – a Direita (PP), a Esquerda (PS) e agora o Centro (Liberais) – apoiando toda a espécie de candidatos extremistas ou que simplesmente tentam a sua sorte como sucede em Portugal.

Quase meio-século depois de enterrado de vez o último imperialismo colonial clássico, seria tempo que a sociedade portuguesa deixasse de procurar compensar esse défice histórico, anunciando a intenção de se aliar a Angola e Moçambique, para não falar do Brasil e da remota mas afortunada China, com a qual o presidente da República descobriu um «elo» que só os Portugueses de cá conhecem… E em vez desses devaneios retrospectivos o país olhasse de frente para o «défice democrático» real de que cada um dos membros da UE sofre e dedicasse mais atenção e vontade de mudar, gradualmente que seja, o sistema de governança europeu num sentido mais próximo das pessoas.

Não há muito tempo, o constitucionalista e deputado europeu cessante, Vital Moreira, reconhecia a existência do «défice democrático» e considerava que os europeus ainda não se compenetraram das novas competências do Parlamento Europeu. A expressão mais evidente de tal défice é a abstenção maciça nas eleições europeias. Para ele, a solução é mais parlamentarismo e mais federalismo. Como cidadão, concordo. Na prática, isso não vai ser fácil enquanto os governos nacionais continuarem a dizer coisas opostas lá e cá, temendo ser responsabilizados pelo que corre mal, como a grande recessão de 2008, e não serem recompensados por aquilo que efectivamente não fizeram por merecer, como as compras de dívida do BCE!