O que mais impressiona no caso Ronaldo é a polarização absoluta das opiniões.

A crónica de Alberto Gonçalves neste jornal é lapidar e pouco mais haveria a acrescentar, não fora isto: como qualquer pessoa, Cristiano Ronaldo merece ser defendido sem que seja preciso tomar posição, até porque qualquer posição neste caso pode ser errada, extemporânea, fruto da ignorância. Ou não. Não sabemos. Ronaldo merece ser defendido porque tem direito a ser defendido.

Eu explico.

De um lado, os defensores do jogador acusam Kathryn Mayorga de ser mentirosa, uma galdéria sem vergonha, oportunista que descobriu no jogador uma fonte de,  rendimentos. Por essa razão, aliás, aceitou o agora público acordo de confidencialidade.

Do outro lado, os seus acusadores, com proeminência para os adeptos do MeToo, chamam aos defensores de Ronaldo machistas e chauvinistas e já o condenaram como violador. Até porque ela assinou e pagou o infame acordo.

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As duas posições, extremas e extremadas, digladiam-se nas redes sociais, nas televisões, jornais e revistas. Os defensores de Ronaldo acusam os acusadores de Ronaldo de ser feministas radicais, estes acusam aqueles de hipocrisia, ao criticarem a violência contra as mulheres enquanto defendem CR7, por ser popular, rico e influente.

No meio, sempre inaudível no ruído imenso das opiniões extremas, fica a moderação e o bom senso. O “novo radical”, como lhe chamei. E o que diz a posição moderada? Avalia os factos sem opinar, porque não pode ter certezas (com toda a honestidade, nem o acordo de confidencialidade permite qualquer ilação, para um lado ou pqra o outro), confia na justiça, respeita o direito de mulheres que acusam e homens que são acusados ao bom nome, à presunção da razão ou da inocência, até o caso ser finalmente julgado e uma decisão tomada por quem o deve fazer à luz do direito e da razão. Caso esse, ou outro qualquer que, para que não restem dúvidas, deve ser julgado e levado até ao fim.

Cristiano Ronaldo é um dos heróis modernos de Portugal, talvez o seu nome maior, e por isso mesmo os portugueses, mais do que qualquer outro povo, deveriam fazer profissão de fé na sua inocência, acreditar nela até à sentença final em tribunal. Julgar com base em notícias de jornais, comentários de Internet (blogs, redes sociais), sempre de forma taxativa e peremptória, quantas vezes barulhenta e sobretudo ofensiva, é injusto; e é anti-democrático.

Por Ronaldo ser uma vedeta, um herói mediático, um divulgador do nome do país, não pode ter mais direitos do que o comum dos cidadãos – mas também não pode ter menos. Conceder-lhe o benefício da dúvida, acreditar na sua inocência, é agradecimento maior, mais justo, do que dar o seu nome a um aeroporto.

A presunção de inocência é um dos pilares dos direitos fundamentais de qualquer sociedade moderna e democrática e não – não pode a sua invocação ser encarada como uma espécie de defesa implícita do acusado do abuso ou da violação.

Cristiano Ronaldo está a ser julgado na praça pública com consequências imediatas e graves. “As redes sociais são um extraordinário instrumento de comunicação humana. Mas (…) elas podem também ser uma forma de cobardia, permitindo acusar e condenar alguém sem provas, quantas vezes a penas irreversíveis (perda de reputação, despedimento, suicídio?), por um puro reflexo de imitação, de ir atrás da opinião geral, de efeito de manada”, escrevi há alguns meses.

Em suma, se para os machistas irredimíveis a acusação de Mayorga é uma mentira, para as feministas irredutíveis defender Ronaldo é ser machista irredimível.

Lamento muito mas não é. Li tudo o que podia ter lido de minimamente sério sobre o caso, a começar pela reportagem do Der Spiegel, o acordo, e, como Gonçalves, não faço ideia se Ronaldo é culpado ou não. Se o for, terá de ser castigado e perderei o respeito por ele. Mas se não for, como acredito e desejo, e até que o seja, vou continuar a admirar o talento, a perseverança, os golos, a obra social e o sorriso do nosso primeiro embaixador.

Isso não faz de mim um admirador de violadores ou um grunho cavernícola que não reconhece o direito das mulheres a ser respeitadas. Isso faz de mim um adepto do bom senso e dá razão.

Nota final

Não sou especialista em política brasileira. Mas reconheço no que se passa no Brasil, com a cada vez mais possível eleição de Bolsonaro, semelhança com os acontecimentos na Europa, ou nos EUA, um sinal mais dos tempos políticos perigosos que vivemos. E cada vez mais se torna justificável o argumentum ad Hitlerum: também Hitler foi eleito, também ele jurou pela democracia (bem, Bolsonaro nem isso), até ao minuto exacto em que a começou a liquidar. E contra isso, gostem ou desgostem os radicais de esquerda ou de direita, os nacionalistas exclusivistas, nativistas protecionistas ou os defensores do iliberalismo, só resta uma coisa:

Continuar a defender pela palavra e com a razão o direito aos direitos tão duramente conquistados por séculos de evolução da nossa Civilização. Contra as trevas e o Ovo da Serpente.

(e para os distraídos ou para aqueles que gostam de negar a realidade em prol da sua opinião pré-estabelecida, sugiro que revisitem as declarações de Bolsonaro, por exemplo aqui).