No dia 2 de Janeiro de 2021, um amigo meu, que vive em Lisboa, vai para França, para trabalhar nas obras. Tem 54 anos, uma família e problemas de saúde.
No mês passado, despediu-se da Uber, porque conduzia 14 horas todos os dias para ganhar 20 euros por dia, o que não chegava, minimamente, para satisfazer as necessidades da família. O meu amigo é ucraniano e veio para Portugal há 20 anos, também nessa altura para tentar melhorar de vida. Ele é muito responsável, controla todas as despesas e pagou sempre os seus impostos.
Nesta sua viagem para este novo trabalho, o meu amigo vai enfrentar os mesmos medos e as mesmas preocupações que viveu quando chegou a Portugal, em 2000: medo de ser enganado, de ser mal tratado, de não ser pago ou de ser expulso pelos autoridades locais por exceder o prazo legal de permanência no país. Ele não sabe falar inglês nem francês e ficará totalmente dependente da boa-vontade do seu empregador, da bondade das pessoas e de Deus.
Neste momento, há 164 milhões de pessoas em todo o mundo (dados da Organização Internacional para as Migrações, de 2018 ) que estão na mesma situação do meu amigo. São trabalhadores migrantes e tornam-se “instrumentos” para resolver os problemas laborais e sociais dos países de saída e de chegada, “instrumentos” para corrigir os erros dos políticos populistas. E estes trabalhadores são “instrumentos” muito baratos, porque não pedem ajuda, nem exigem os seus direitos. Trabalham em troca de salários muito baixos e não utilizam os benefícios do Estado. E o dinheiro que ganham vai beneficiar a economia dos países de origem.
Não têm partidos políticos, porque não têm direito a participar em eleições, não se inscrevem nos respectivos sindicatos, porque não têm tempo para reuniões – estão sempre a trabalhar. Resolvem os seus problemas sozinhos. Nestas situações (imigrantes trabalhadores) não é só a economia global que ganha, mas também as redes criminosas de imigração ilegal, solicitadores que se aproveitam do desconhecimento da língua e dos direitos dos migrantes, empregadores desonestos que enganam os trabalhadores e não pagam o que devem. O nível de existência destes abusos revela também o nível de corrupção nas instituições e órgãos públicos que devem regular e controlar a imigração laboral.
Igor Homeniuk foi um trabalhador migrante, que sofria por não poder estar todos dias com a sua mulher e por não poder ver os filhos crescerem. Era um homem responsável e lutador, que zelava pelo bem-estar da sua família.
Não veio para Portugal para vender droga ou criar redes criminosas, ou fazer lavagem de lavagem de dinheiro, veio para tentar encontrar um trabalho honesto.
De toda história em volta da morte do Ihor, o que é mais preocupante, é que no século XXI, em que tanto se fala de direitos humanos, de direitos dos animais, um homem que procura trabalho noutro país é recebido, à partida, como um criminoso. Não tem direito a comunicar com os familiares ou com a embaixada.
Não sei explicar porque é que isto aconteceu em Portugal.
A morte de um migrante, que gerou uma reação tão grande na sociedade, mostra que para os portugueses a vida humana vale muito.
A morte sofrida do Ihor Homeniuk não pode servir só para dar as condolências à viúva, mas terá de servir para os políticos refletirem profundamente sobre o problema da imigração laboral.
Não só em Portugal, mas em todo o mundo, a atitude em relação aos trabalhadores migrantes tem de mudar. Eles não trazem problemas, eles vêm resolver problemas. À custa, muitas vezes, do seu próprio sofrimento.
Se um país não tem condições ou não tem necessidade de receber mais trabalhadores migrantes, tem a obrigação de impedir que funcionários corruptos facilitem a imigração ilegal e que criminosos anunciem nas redes sociais empregos bem pagos e fáceis de conseguir no estrangeiro.
É normal que um país recuse a entrada no seu território nacional a um estrangeiro, mas deve explicar-lhe, de forma clara e precetível, as razões dessa recusa. O migrante tem de perceber, na sua língua, os seus direitos.
De acordo com as informações recentes, uma pessoa que foi acusada de traficar drogas teve direito a um advogado. Mas a um trabalhador migrante não foi dado esse direito. Porquê? A maneira como o Ihor foi tratado pelas autoridades foi pior do que a reservada a um traficante.
Isso significa, que no século XXI, com tanto combate anunciado às discriminações, existe uma classe de 164 milhões pessoas no mundo, cujo objectivo – ganharem um salário honesto e terem melhores condições de vida – equivale a um crime contra sociedade.
Espero, sinceramente, que a morte do Ihor Homeniuk mude a atitude da sociedade relativamente aos trabalhadores migrantes, porque, na verdade, eles são heróis que corrigem os erros dos políticos.