Rui Rio perdeu as eleições legislativas de 2022. Isto é um facto, para o qual a inesperada maioria absoluta do PS contribui como prova irrefutável. Ora, uma coisa é perder, outra coisa bem diferente é reconhecer a derrota. E acontece que Rui Rio não se convenceu das suas responsabilidades nessa derrota e, desde então, ensaiou uma variedade de explicações que têm em comum ilibarem-no desta hecatombe eleitoral. Já apontou o dedo a Passos Coelho e ao Ministério Público. Antes, já havia lamentado o comportamento do eleitorado à direita, por não ter “votado útil” no PSD. E também havia acusado o PS de ter enganado os eleitores, distorcendo as propostas do PSD e atraindo o eleitorado de esquerda todo para si. Ou seja, para Rui Rio e para a sua entourage, a derrota do PSD encontra várias explicações nos eleitores e nos adversários, mas nenhuma na liderança dos sociais-democratas — aparentemente, Rui Rio perdeu, mas fez tudo bem.

Este estado de negação poderia ser somente um problema individual de Rui Rio. Mas é a ponta do icebergue de um problema muito maior no PSD: com base nessa interpretação benevolente, Rui Rio prepara-se para arrastar o calendário interno da sua saída da liderança. E, enquanto permanece em funções, vai comprometendo o PSD numa série de dossiers de grande impacto. As suas declarações à saída de uma reunião com António Costa foram cristalinas: Rui Rio está demissionário, mas isso não o impede de assumir uma agenda de medidas e reformas que pretende agilizar com o PS no curto prazo. A mensagem é clara: Rio deixará eventualmente a liderança, mas fará tudo para garantir que o PSD mantém o rumo que ele próprio impôs nos últimos quatro anos.

O que está em causa? Estão possíveis entendimentos com António Costa que limitariam a acção da próxima liderança do PSD. Em particular, o sentido de uma revisão constitucional que facilitasse a regionalização. Mas também nomeações para órgãos públicos, para os quais Rui Rio quer indicar os seus fiéis. Ou ainda negociações em áreas-chave, como a Justiça ou a reforma do sistema eleitoral, nas quais a visão pessoal de Rui Rio foi imposta sobre o PSD e se encontra alinhada com os interesses do PS. A lista poderia continuar, porque quanto mais tempo Rui Rio se mantiver na liderança do PSD, maior o potencial destrutivo da sua acção.

A última questão é se existe forma de travar esta intenção de Rui Rio que, mesmo demissionário, pode ir esticando os prazos da sua saída até ao Verão. E existem duas formas. Primeiro, como assinalou Miguel Morgado, é importante que seja o próprio PSD a fechar portas a Rui Rio. Seja informando todos os seus interlocutores de que, estando demissionário, as posições de Rui Rio não representam nem comprometem futuramente o PSD — ou seja, retirar-lhe a legitimidade negocial para entendimentos com o PS. Seja os candidatos à liderança se declararem enquanto tal, na medida em que, sem candidatos que se assumam, Rui Rio tem o caminho aberto para ir ficando — se ninguém aparece para o substituir, não há pressão para a saída. Segundo, se os prazos se arrastarem os restantes partidos à direita também terão um papel importante, nomeadamente caso se inicie um processo de revisão constitucional: no parlamento, terão de prolongar ao máximo os trabalhos parlamentares para além do tempo de Rui Rio na liderança do PSD. Afinal, também esses partidos terão a ganhar com um PSD renovado e desligado das agendas de interesse do PS.

Na noite eleitoral, a formulação ambígua de Rui Rio deu a entender que a sua liderança havia chegado ao fim. Pura ilusão. Rui Rio vai sair, sim, mas não tem prazos e, enquanto não sai, vai impondo a sua agenda de entendimentos com o PS. Ou o PSD acorda e percebe que tem de empurrar Rui Rio para fora, ou arrisca-se a caminhar rumo à irrelevância.

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