Catarina Martins qualificou o programa eleitoral do BE como sendo “social-democrata”, em entrevista ao Observador. A qualificação tem algo de insólito, visto que, pouco tempo antes, a mesma líder partidária havia definido o seu partido como pertencente à esquerda radical – o que, de resto, encaixa melhor nas propostas do BE e nas relações institucionais do partido, incluindo na família partidária europeia onde se insere, que está longe dos partidos sociais-democratas europeus. Mas, apesar de insólita, a qualificação tem algo de esclarecedor. Sobre a estratégia eleitoral do BE, de aproximação ao centro? Sim, obviamente. Mas, menos óbvio e mais interessante, também esclarece sobre a estratégia do PSD. É que Rui Rio tem-se apresentado como o líder que devolveria a “verdadeira” social-democracia ao PSD, em choque com a linha mais liberal de Passos Coelho e dos anos da coligação “Portugal à Frente” (2011-2015) – ao ponto, aliás, de desafiar à saída do partido aqueles que não se revêem nesse posicionamento ideológico. Ora, de um dia para o outro, o PSD de Rui Rio viu-se na desconfortável posição de, no debate político, estar alegadamente a disputar um mesmo espaço ideológico com o BE. É um momento “Twilight Zone” da política nacional.

Será relativamente consensual que “social-democrata” não é o posicionamento político mais adequado para caracterizar o BE. Mas, em vez de remeter o assunto à irrelevância, vale mesmo a pena espreitar para o outro lado dessa declaração: se um partido de esquerda radical (como o BE se define) se sente tão confortável em apresentar-se como “social-democrata”, então muito possivelmente há algo nesse posicionamento ideológico que se tornou desfasado da identidade do PSD e de uma parte significativa do seu eleitorado. Ou, resumindo, há algo nesse posicionamento “social-democrata” que, hoje mais claramente do que antes, remete para uma aproximação ao centro-esquerda.

É precisamente aí que a declaração de Catarina Martins tem maior interesse e deve ser guardada: numa frase, ao colocar o BE na “social-democracia” e, portanto, a disputar o mesmo espaço político que o PSD, a líder bloquista tornou confrangedora a visão de Rui Rio para o maior partido da “direita” portuguesa. Desde Janeiro de 2017, quando o líder do PSD iniciou o seu mandato, que muitas vozes (internas e externas) explicaram a Rui Rio que o caminho seguido estava, não só errado, mas em colisão com o património político do seu partido – e o líder do PSD teimou em não perceber. Agora, Catarina Martins fez-lhe um desenho.

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