Existe uma regra de ouro que tem várias aplicações ao longo da vida: quando se faz asneira, aceita-se a responsabilidade em vez de inventar desculpas ou responsabilizar terceiros. Isto vale para o aluno cábula que chumba e se convence que chumbou só porque o professor não gosta dele. Vale para o jogador de futebol que não treina com afinco mas que crê não jogar no campeonato porque o treinador tem um problema pessoal com ele. E vale para Rui Rio, que a cada mal-entendido gerado no PSD responsabiliza a comunicação social. De tal modo que, há dois dias, Rio ameaçou que pondera um boicote aos jornais: “nós temos vindo a ponderar se é possível continuarmos a dar entrevistas a [jornais em] papel porque sistematicamente deturpam aquilo que é o texto e o que as pessoas dizem”.

A ameaça é gravíssima – sugere retaliação por os jornais prejudicarem sucessivamente o PSD (mas não os outros partidos, que disso não se queixaram). Só que, como vem de Rio, a acusação não surpreende. Se fosse a primeira vez que o líder social-democrata se queixava da comunicação social em termos tão severos, dar-se-ia o benefício da dúvida. Só que não é a primeira vez, nem a segunda ou a terceira. Efectivamente, quando uma notícia o visa, Rio é rápido a disparar sentenças contra uma comunicação social hostil à sua mensagem. Antes que passemos o ano pré-eleitoral a observar tiros-nos-pés, convém assinalar os dois erros que essa atitude representa.

Primeiro, o problema não está na comunicação social (que, óbvio, tem os seus defeitos). O problema é a incompetência de Rio e do PSD na comunicação para o exterior (isto é, incapacidade em adaptar-se ao contexto e em passar uma mensagem política com eficácia). Não é preciso ser-se como Sócrates, obcecado com a imagem e viciado em propaganda, sacrificando para isso o conteúdo das medidas políticas. Mas, se Rio quer diferenciar-se pela solidez e seriedade das suas propostas (um bom princípio), não se pode esquecer que as boas ideias só terão adesão se forem bem explicadas e devidamente difundidas – ou seja, se forem bem comunicadas. Sendo ele o líder da oposição ao governo, essa sua disponibilidade para comunicar é imprescindível para fins de representação política. Só que essa disponibilidade é tímida e gera sucessivos mal-entendidos. Este fim-de-semana houve mais um exemplo, mas os episódios amontoam-se. E por mais que critique os jornais, os factos mostram que, dentro e fora do PSD, Rio e as suas ideias parecem ser indecifráveis.

O segundo erro na atitude de Rio está em fazer bandeira política da guerra à comunicação social. É certo que não é de hoje que Rio identificou nos jornais uma espécie de oposição à sua pessoa (acusou disso mesmo o jornal Público, em 2005), chegando mesmo a afirmar que “a forma como a Comunicação Social exerce a sua função é um dos maiores problemas do regime. Soa-lhe familiar como crítica? É porque o é: temos ouvido diagnóstico similar por parte de vários populismos europeus e esta declaração em concreto está assustadoramente próxima de um tweet de Donald Trump. A coincidência não pressupõe adesões ideológicas, mas impõe a pergunta: que cidadão responsável ambicionará colocar em São Bento um indivíduo que, se pudesse, estrangularia a liberdade com que os órgãos de comunicação trabalham? O ponto é este: Rio, enquanto líder da oposição e candidato a primeiro-ministro, tem de manter uma relação saudável com os pilares do regime democrático. E tem sido sucessivamente incapaz de o fazer.

A relação entre política e comunicação social estreitou-se nos últimos anos: a internet móvel acelerou ainda mais a comunicação, os timings das reacções políticas encurtaram, o escrutínio é mais exigente e plural, as redes sociais interferem na percepção da realidade e a popularidade depende de crescente exposição mediática. Ora, quando se avalia a liderança de Rio no PSD, um debate possível (e conjuntural) poderia ser se este se adaptaria aos novos tempos – e está claro que até agora não se quis adaptar. Mas o seu mau relacionamento com a comunicação social e o recente anúncio de um eventual boicote aos jornais tornaram a questão estrutural e servem de alerta: Rio mantém uma visão conflituosa e redutora do escrutínio imposto pela comunicação social à política. Se isso não mudar até 2019, os seus valores democráticos não terão o vigor recomendável a quem exerce o cargo de primeiro-ministro.

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