Comecei por correr com a minha filha, a mais velha. A princípio, foi na praia, durante as férias. Depois continuámos, em trajectos perto de casa. Acabei por correr com ela a São Silvestre de Lisboa por duas vezes. Adorei.

O meu filho mais novo corria connosco na praia, às vezes. Mas era apenas uma criança a brincar e fartava-se e parava a apanhar conchinhas, à espera de nos ver regressar, e então corria de novo connosco até ao guarda-sol.

Mas o tempo passa e ele foi crescendo. E chegou o Verão em que passou a correr connosco todo o trajecto da praia. E fazia-o a brincar, a falar, a conversar ininterruptamente e com o ar mais descontraído e brincalhão deste mundo. No fim, enquanto eu e a minha filha ficávamos, ofegantes, a tentar recuperar, ele ria e metia-se connosco e corria a mergulhar no mar.

Nesse ano, fomos os três correr a São Silvestre. Ele era ainda muito novinho e eu não sabia como se iria comportar a fazer os dez quilómetros da prova, com a subida final até ao Marquês, pela Avenida da Liberdade. Avisei-o várias vezes para não se deslumbrar no início da prova e desatar a acelerar, para depois não ficar a morrer, a dar as últimas na parte final. E lá fomos os três juntos pela Baixa iluminada, com as pessoas pelos passeios a incentivarem os corredores e as crianças de mão estendida, aberta para lhes batermos ao passar.

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Foi óptimo e ele não só aguentou sem qualquer problema, como adorou e foi descontraído e sem esforço todo o caminho.

No ano seguinte, já quase não corri com a minha filha, que foi entretanto estudar para outra cidade. Fui correndo esporadicamente com ele perto de casa. Ele começava sempre comigo e ao meu ritmo, mas depois perguntava “pai, posso ir?”, ligeiramente preocupado com a “deslealdade” de me deixar a correr sozinho. Eu dizia que sim e ele lá ia, leve e rápido como um gamo, à minha frente, muito mais veloz do que eu.

Nesse ano, em vez da São Silvestre, decidimos correr a Running Wonders, em Évora, também de dez quilómetros. Partimos juntos e ele olhou para mim, o olhar a perguntar se podia ir e eu respondi: “Vai, encontramo-nos na meta”.

E foi mesmo assim. Ele seguiu no seu passo de gazela, chegou ao fim em quarto lugar da categoria dois anos acima da sua (a única em que lhe foi permitido inscrever-se, mentindo em relação à idade), fresco como uma alface e feliz como só ele. Eu, claro, cheguei muito mais tarde e quase a falecer, que aquela corrida foi a que me correu pior desde sempre. Ele estava na meta à minha espera e recebeu-me todo contente.

A vida é mesmo assim. Criamos os filhos, a princípio, pequenos e mais frágeis do que nós. Mas se tudo correr como deve ser, eles crescem e tornar-se-ão melhores do que nós e irão mais longe e mais rápido do que nós fomos. E é isso que um pai quer.

Vão no vosso passo, ao vosso ritmo, pelo vosso caminho.

Não se preocupem. Encontramo-nos na meta.