As eleições antecipadas aqueceram o panorama de um país flagelado e mergulhado nas consequências da pandemia. Portugal atravessa uma fase decisiva da sua história. O nosso País continua a ser notado pelo atraso estrutural em relação à Europa, sendo sistematicamente ultrapassado pelas economias do antigo bloco de leste, outrora com atrasos significativos comparativamente com Portugal.
Estamos, contudo, perante uma nova janela de oportunidades que nos é aberta pelo novo Quadro Comunitário de Apoio e pelo Plano de Recuperação e Resiliência. No entanto, como a nossa experiência já o demonstrou de forma categórica, não bastam os milhões. É necessário muito critério na sua aplicação; é preciso planificação estruturante; é crucial fazer avançar as reformas de que Portugal realmente precisa.
Quase todos os partidos afirmam a aposta nas qualificações com um dos temas mais prementes, sendo essencial para a competitividade do país, para a dinâmica da nossa economia, e claro está, para o desenvolvimento do potencial humano dos cidadãos. A aposta no Ensino Superior convida a uma análise mais criteriosa no que respeita à base de recrutamento de estudantes, em especial num contexto de inverno demográfico que o País irá enfrentar.
Contudo, o Ensino Superior foi esquecido ou ignorado sem razão aparente nos debates, quer por jornalistas, quer por candidatos. Como pouco se tirou dos mesmos, uma análise cuidada aos programas eleitorais possibilita um voto mais informado já este domingo, tendo escolhido para análise três temas:
1 Acesso ao Ensino Superior
Do pouco que se falou de Ensino Superior, ganhou destaque o modelo de acesso. O BE força a discussão sobre um novo modelo, o fim dos exames nacionais e a criação de um contingente especial para candidatos de comunidades racializadas; o PSD atenta na flexibilização do acesso para estudantes oriundos de diferentes percursos no Ensino Secundário; o PAN aponta a revisão do modelo atual considerando interesses, aptidões, projetos desenvolvidos e experiências dos estudantes, por oposição a um modelo exclusivamente centrado em resultados académicos; já o Livre pretende transformar o 12º ano num ano zero. Pelo confronto das várias propostas, urge um debate sobre o modelo atual que garanta a transparência do processo de acesso, que não hierarquize os subsistemas de ensino e que valorize o percurso no ensino secundário.
2 Ação Social Escolar
A perda de rendimentos que a pandemia provocou e a incerteza económica quanto ao futuro, justificam o reforço dos mecanismos de apoio social, atualmente com recurso maioritário a fundos europeus. Mas a ação social não são apenas bolsas de estudo e esta visão redutora do sistema resultou num desinvestimento em equipamentos e infraestruturas de apoio aos estudantes. Que estratégia apresentam os partidos neste domínio?
O PS pretende garantir o acesso automático às bolsas quando o aluno tenha beneficiado de uma bolsa de ação social no ensino secundário e aumentar os apoios sociais no âmbito das bolsas, residências e programa Erasmus. O PSD propõe-se a duplicar o número de alunos em residências até 2026 e a reforçar os apoios sociais aos estudantes deslocados. O BE aponta o aprofundar dos mecanismos de ação social, sendo pouco esclarecedor quanto aos mesmos e acrescenta a criação de condições para a inclusão de estudantes com necessidades educativas. O PCP atenta num programa de construção de residências públicas para estudantes deslocados. O PAN quer alterar o Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo, contabilizando as despesas dos agregados familiares relativas à habitação e problemas de saúde crónica, elaborar um Plano Nacional para a Inclusão para alunos com necessidades especiais e criar uma rede de serviços de psicologia acessíveis. Já a intenção do Livre prende-se com a revisão dos mecanismos de atribuição de apoios sociais diretos e indiretos.
O sistema de ação social tem sido um elemento central no alargamento da base social de recrutamento e, por isso, será indispensável ao cumprimento das metas de qualificação definidas por Portugal, que pretende até 2030 ter 60% dos jovens com 20 anos a frequentarem este nível de ensino e mais de 50% de diplomados na faixa etária dos 30-34 anos.
A falta de apoio a estudantes de segundo ciclo está a criar situações de injustiça e o movimento associativo estudantil tem sido porta-voz deste problema, nomeadamente no descontrolo no que respeita às propinas cobradas a estes estudantes. O PS pretende concretizar o aumento do valor da bolsa para estudantes inscritos em mestrado, até ao limite do valor máximo do subsídio de propina atribuído para obtenção do grau de doutor. O BE elenca a redução do valor das propinas de mestrados, a CDU a eliminação das propinas e o Livre, a regulamentação do valor das propinas através do estabelecimento de tetos máximos.
3 Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior
A revisão do RJIES nunca foi realizada e já lá vão 15 anos desde a sua aprovação. A participação dos estudantes no Conselho Geral das Instituições de Ensino, a qual foi ultrapassada por entidades externas e desequilibrada entre docentes e discentes, deixou muitas preocupações dos estudantes sem reconhecimento devido. Mais, fez com que muitas Instituições tenham ficado reféns de interesses de grupos, fazendo a eleição de Reitores/Presidentes dependente de caciques, condenáveis ao conflituarem com a nobre missão da Academia. É para nós vital a revisão deste diploma e a reflexão sobre a oportunidade de fazer depender a eleição dos responsáveis das Instituições por toda a comunidade académica. Vemos uma proposta da IL que não se coaduna com esta reivindicação, ao propor que os Conselhos Gerais devam ser total, ou maioritariamente, constituídos por membros externos. Por oposição, o BE defende o princípio da participação paritária entre corpos e de género nos órgãos de gestão e a eleição de Reitor por um colégio eleitoral alargado e representativo.
A palavra “Ensino Superior” é mencionada 59 vezes no programa eleitoral do PS, 44 no do PSD, 38 no do PAN, 37 no do BE, 32 no do Livre, 26 no programa da IL e 2 vezes no da CDU. O CDS-PP não apresenta quaisquer medidas específicas para o setor, assumindo no seu compromisso com a educação ser indispensável recuperar a mobilidade social e devolver a igualdade de oportunidades aos mais pobres. Mas como? Já o partido de André Ventura apresenta-se a eleições sem literalmente uma palavra para o Ensino Superior e Ciência.
Por fim, independentemente da dimensão e estrutura do próximo executivo, o que pedimos é claro: manter o Ensino Superior e Ciência enquanto área ministerial, ao invés de promover uma tutela única que agregue Educação, Ensino Superior e Ciência. Não podemos ter um ministério titânico, a ocupar-se do Ensino Superior da parte da manhã, e dos Ensinos Básico e Secundário da parte da tarde, sob pena de setores com a relevância do Ensino Superior e da Ciência acabarem secundarizados pela dimensão e especificidade que caracterizam a Educação. Deixo esta consideração ao cuidado do próximo Governo.