Lembra-se dos computadores que o Primeiro-Ministro havia prometido, em Abril 2020, asseverando que, acontecesse o que acontecesse, todos os alunos teriam computadores em Setembro de 2020, para o ensino a distância? Em Novembro de 2022, há ainda 200 mil por entregar — cerca de 20% do total. Dois anos depois, lembrar que se trata de uma promessa política quebrada é apenas dizer o óbvio. Mais oportuno será inscrever este programa de distribuição de equipamentos na memória colectiva da pátria: eis uma ilustração perfeita sobre como não se devem conceber políticas públicas. Oxalá os manuais de Ciência Política agarrem nisto.
Uma política pública bem desenhada assenta num diagnóstico, na identificação dos beneficiários e numa implementação devidamente estruturada — por um lado, para garantir a eficácia das medidas no curto prazo, por outro lado, para assegurar a sua sustentabilidade no longo prazo. Uma política pública está mal desenhada quando falha em algum destes elementos-chave e é simplesmente incompetente se falhar em todos. Ora, na distribuição de computadores, o governo falhou no diagnóstico, falhou na identificação do público-alvo e falhou na implementação a curto e a longo prazo. Vamos por pontos.
Primeiro, falhou no diagnóstico. Ao escolher entregar um computador a cada aluno, o governo investiu de forma igual em quem precisava e em quem não precisava. E não percebeu o ponto-chave: em 2020, o parque tecnológico das escolas estava obsoleto há vários anos, pelo que qualquer investimento em equipamento teria de ser ponderado em função das necessidades das escolas, e não em função do número de alunos, em nome de um simulacro de ensino a distância. Resultado: milhões de euros depois e com milhares de computadores em casa dos alunos, o parque tecnológico das escolas (incluindo infraestrutura de rede internet) permanece insuficiente.
Segundo, o governo falhou no apoio ao seu público-alvo: os alunos de contextos desfavorecidos. Falhou com os atrasos nas entregas (já lá irei) e falhou no enquadramento dos empréstimos do equipamento. É que, para receber os equipamentos, as famílias devem assinar uma declaração que as responsabiliza financeiramente quanto a avarias e danos. Ou seja, as famílias sem recursos para adquirir computadores só podem receber computadores emprestados se aceitarem o risco de ter eventualmente de os pagar, em caso de avaria. Com incentivos destes, não admira que sejam tantas as famílias carenciadas que rejeitam os computadores — se algo correr mal, ninguém quer receber a factura.
Terceiro, o governo falhou na implementação. Desde logo, no curto prazo, definiu o programa Escola Digital como prioridade num contexto de pandemia e ensino a distância, mas falhou todos os prazos e compromissos — uma ineficácia inquietante, como escrevi nesta coluna. Depois, toda a concepção do programa negligenciou a sustentabilidade a médio e longo prazo. Ao adquirir mais de um milhão de equipamentos, a qualidade dos computadores foi inevitavelmente sacrificada, para contenção dos custos. Consequência óbvia: equipamentos de gamas baixas têm tempos de vida mais curtos, seja porque se avariam mais ou porque são tecnologicamente limitados — são os próprios directores das escolas que denunciam a fraca qualidade dos equipamentos. Acrescendo a isto uma incapacidade logística do ministério e das escolas para a manutenção dos equipamentos, tudo aponta para que, daqui a pouco tempo, tenhamos mais sucata do que computadores a funcionar.
Estes são erros que saem caro. Às famílias, crianças e jovens que não beneficiaram devida e atempadamente dos equipamentos. E aos contribuintes, porque por detrás do programa Escola Digital estão centenas de milhões de euros mal investidos e que fazem falta noutros sectores. Ou seja, este foi um enorme fracasso do governo. Agora, apetece perguntar: estes erros também saem caro a quem decide mal, exibindo incompetência e prejudicando crianças, famílias e erário público? Pergunta inútil, claro — todos sabemos a resposta.