Toda e qualquer sociedade pressupõe um conjunto de crenças partilhadas. Estas, mesmo que de forma não-intencionada, são determinantes na forma mais ou menos eficiente como se acumula com êxito capital e, consequentemente, como se produz uma prosperidade generalizada. Para dar um exemplo básico: a ética comunista propõe que a propriedade do capital seja colectiva, a escolha dos fins em que este se emprega seja planificada e a distribuição da produção uma decisão política. Ainda que quase toda a gente goste da parte da distribuição, esta forma de organizar uma sociedade só pode ser medianamente exitosa em pequenos agregados humanos, com métodos de produção rudimentares e que enfrentam um ambiente hostil onde normalmente não existe grande produção para distribuir. Para qualquer sociedade mais complexa que queira coordenar a satisfação de milhões de fins utilizando estruturas de capital intensivas, não consegue garantir sequer a subsistência mínima e, geralmente, implode.

As sociedades mais exitosas nessa coordenação de milhões de indivíduos são as mal-chamadas capitalistas (quer dizer, aquelas que empregam intensamente processos de mercado e de preços livres). As grandes estruturas de capitais que lhe dão o nome são consequência e não causa desse êxito. Mas mesmo estas não são todas iguais. Diferentes éticas são determinantes para diferentes resultados. Dada a importância das questões éticas, é natural que os mais bem sucedidos gestores do capital alheio as tenham em consideração para tentar assegurar financiamento (passivo ou capitais próprios) a um custo competitivo; trabalhadores motivados que participem activamente em processos produtivos eficientes; evitando que um grande custo reputacional se interponha entre os seus clientes e a venda dos seus produtos. Como são decisões que não têm um impacto imediato na conta de resultados, existe muitas vezes uma margem ténue entre o gestor estar a actuar em benefício da empresa ou em benefício próprio.

Nas últimas décadas foi-se instituindo nalgumas escolas empresariais a noção de que as empresas (quer dizer, aqueles que as gerem) não devem ter como princípio que determina o seu curso de acção (isto é, como princípio ético) a maximização do lucro para os seus acionistas, mas sim a maximização do valor para o conjunto dos seus stakeholders (em português, as partes interessadas). Estas partes são vagamente definidas como todos aqueles indivíduos que têm um interesse mais ou menos directo na empresa, desde fornecedores a trabalhadores, a clientes, políticos, sindicatos e, inclusive, concorrentes. Mas, no fundo, não há nada de novo aqui: os gestores de empresas legítimas sempre actuarão tendo em consideração o meio em que a empresa se insere e respeitando tanto as restrições legais como as éticas. Citando Milton Friedman, esta supostamente nova forma de enquadrar eticamente a gestão empresarial recorda aquele francês que aos 70 anos descobriu que falava em prosa. *

Isto de afirmar que uma empresa se deve a todos os que têm um interesse nela é muito bonito, mas não responde ao problema central. O problema central é se um gestor de uma empresa, realisticamente, é capaz de decidir melhor que os processos impessoais do mercado a que stakeholders entregar os frutos do empreendimento empresarial? (spoiler alert: não) As empresas são estruturas de capital que têm o objetivo de produzir riqueza. Essa riqueza é distribuída por investidores, trabalhadores e consumidores através de um processo de mercado, se falamos de uma sociedade complexa. As empresas não possuem riqueza, só as pessoas possuem riqueza, só a elas a riqueza pode ser retirada. Como é que um gestor empresarial decide a quem retirar riqueza para entregar a terceiros (políticos, activistas, fins benéficos, fornecedores, ele próprio(?)) e com que critério? Sobe preços (se operar num monopólio comercial) para retirar riqueza aos consumidores? Baixa salários (se operar num monopsónio laboral) para retirar riqueza aos trabalhadores? Ou reduz a distribuição de lucros (se os investidores não tiverem alternativas de investimento) para retirar riqueza aos accionistas? Ou um pouco de tudo para que não se note? Como se constrói um processo em que as várias partes interessadas acima referidas se coordenam entre si (e com os gestores das empresas) para se apropriar de benefícios que, na ordem espontânea das sociedades prósperas que conhecemos pertencem de pleno direito aos investidores, trabalhadores e consumidores? A resposta a esta última pergunta é: através de políticas ESG.

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Quando aparecem uns tipos a falar em ESG, como se tivessem inventado a roda na ética empresarial, estão simplesmente a tentar rodar essa roda na sua direcção, tentando convencer investidores, trabalhadores e clientes que a sua é a melhor forma de investir de forma responsável. Tal como no caso do Estado, que Bastiat definiu como a grande ficção pela qual todos procuram viver a expensas dos demais, a abordagem ESG tenta convencer investidores, trabalhadores e clientes que o custo de implementar essas políticas nunca é pago por cada um deles, mas pelos demais. Prometem maior rentabilidade aos investidores, melhores condições de trabalho para os colaboradores e melhores produtos para os consumidores, ao mesmo tempo que satisfariam responsavelmente os interesses de terceiros. Não é que essa possibilidade não exista. Essa é a premissa implícita num processo de desenvolvimento económico: o do aprofundamento dos processos de mercados e preços livres. O problema é mesmo o método, que simplesmente quer transformar os gestores das empresas privadas em decisores políticos, esperando que os privados, por obra de algum milagre divino, obtenham melhores resultados na sua planificação social que os públicos. Uns e outros são feitos de carne e osso e idêntica massa cinzenta. Com a agravante de nem sequer reclamarem a substituição de uns pelos outros. Uma das premissas da gestão ESG habitualmente aceite é que as empresas não devem sequer eludir o pagamento de impostos. Quer dizer, o nível actual de extorsão dos estados é para manter, senão aumentar.

O principal problema da abordagem ESG é convencer os investidores de que é do seu interesse satisfazer uma série de custos adicionais antes de perseguir a maximização do seu próprio lucro. Do acrónimo ESG, a letra mais importante é a E de Environnment porque é aquela que desperta mais interesse no público em geral (no fundo os potenciais clientes de qualquer empresa) dado que o Ambientalismo é praticamente a religião oficial do Ocidente. Para os ambientalistas, os investidores deveriam idealmente preocupar-se em salvar o planeta, porque vivem nele e esperam fazê-lo durante muito mais tempo. Infelizmente para estes activistas, por muito que o argumento lhes possa parecer absolutamente inatacável, não é exactmente o tipo de afirmação que possa convencer os investidores mais experientes. Estamos a falar de indivíduos cuja riqueza depende de antecipar e tentar reduzir com êxito a incerteza do futuro e não de fazer o contrário. Ainda que o aquecimento global possa ser uma possibilidade em cima da mesa, um investidor habituado a considerar os prós e os contras de decisões de investimento tem alguma dificuldade em aceitar que os custos sejam os que lhe estão a ser apresentados por governos, ONGs e organizações supra-nacionais.

Na semana passada, Stuart Kirk, até então o principal responsável pelo investimento responsável no banco HSBC, fez uma apresentação de 15 minutos ao Financial Times onde explica sucintamente como estes custos são geralmente extremamente extrapolados nas projecções. A indignação foi generalizada e não apenas por parte dos activistas do clima. Também muita gente dentro da própria indústria financeira tentou matar o mensageiro. Como o Alexandre Mota explicou, no texto que antecede este na coluna da Oficina da Liberdade, a indústria financeira está a investir e a desenvolver muitos serviços financeiros dedicados a este tema que, dentro da própria métrica ESG (na parte que diz respeito ao “G”), pecam de variados conflitos de interesses que estão a ser propositadamente ignorados. É natural que o medo de ser descobertos os faça exigir a cabeça de Kirk e, de momento, o banqueiro está suspendido pelo HSBC.

Existem sobrados motivos para perceber que a ética ESG não acrescenta muito valor aos investidores tradicionais e que a principal preocupação destes é perceber até que ponto é que os governos os vão obrigar a obedecer a estes critérios para poder continuar a desenvolver a sua actividade. Esta ameaça é real e o “crime” até já tem um nome – Greenwashing – mas infelizmente esse tema ficará para outro dia. Existe, no entanto, um argumento adicional que apela aos investidores desde tempos imemoriais e os poderia convencer: a possibilidade de obter uma rentabilidade adicional para os seus investimentos. E essa foi, num princípio, a estratégia de vendas: investir em ESG é investir de forma inteligente porque entregará maior rentabilidade.

Nos últimos anos o volume de activos que se posicionaram sob a matriz ESG aumentou exponencialmente, estando estimados hoje em dia em cerca de 35 triliões de dólares e, de acordo com a Bloomberg, poderiam chegar a 50 triliões até 2025 que seriam, pelos mesmos cálculos, mais de um terço do valor global dos activos financeiros (ou pelo menos estes são os números que mais vezes vejo serem repetidos). Estas contas valem o que valem, mas revelam um certo optimismo de que o mundo financeiro se vai converter à causa. Qualquer investidor sabe que antecipar a tendência costuma ser sinónimo de ganhos extraordinários e não quererá deixar passar esta oportunidade. O problema é que à medida que o tempo tem passado começa a ser perceptível que a superior performance do ESG teve mais relação com a própria realocação de fundos a esses projectos que no retorno que estes entregaram. Quer dizer, foi a corrida aos activos que provocou a subida do valor dos mesmos e não a rentabilidade dos investimentos. Não existe nenhuma evidência de que os fundos ESG obtenham melhores resultados. Aliás, existe mesmo a suspeita de que os fundos com esta etiqueta nem sequer são os que obtêm melhores resultados nas emissões de carbono das empresas que os constituem e que cobram comissões de gestão acima das dos seus pares não-ESG. Como se não fosse suficiente, parece que a utilização de argumentos ESG é a desculpa mais utilizada por gestores cuja performance fica abaixo da dos seus pares.

Olhando para exemplos concretos, temos que, no caso do mercado de dívida, as chamadas obrigações verdes prometiam àqueles que se dedicassem a projectos verdes um custo de financiamento mais baixo. Isto fez com que muitas das grandes empresas e, inclusivamente alguns países soberanos (as pequenas e as start-ups não têm geralmente escala para aceder a este mercado) se dedicassem a obter certificações ESG para serem beneficiários deste financiamento. Dito de outra forma, o “prémio” das obrigações verdes (ridiculamente chamado greenium, da palavra inglesa premium) em relação às outras obrigações esperava-se que fosse substancial, dado o suposto interesse em salvar o planeta por parte dos investidores. Mas para a dívida soberana esse greenium anda à volta de 0,01%-0,02% o que, para um financiamento que acarreta bastantes obrigações adicionais ao incluir o compromisso explícito de ter de ser dedicado exclusivamente a projectos ambientalistas, sem a flexibilidade que outorga a forma tradicional de financiamento, não parece justificar o custo. Além disso, a necessidade de fazer mais emissões (umas verdes e outras não) dilui a liquidez dos títulos, já que esta se tem que desdobrar por mais emissões o que, para países pequenos como a Dinamarca, leva a que o custo de se financiar possa estar a ser inclusivamente mais caro.

No mundo das acções a situação não é muito diferente, e depois da euforia da melhor performance em bolsa de muitos fundos ESG, as empresas começam a interiorizar os custos de conversão ao ESG e como estes diminuem a sua rentabilidade. Por exemplo, algumas empresas petrolíferas decidiram vender os seus negócios tidos como mais prejudiciais para o ambiente para conseguir apanhar o comboio do movimento ESG mas, com a crise energética que resultou em grande parte da irresponsável política monetária, observam como esses negócios são agora bastante mais rentáveis, mesmo considerando que muitos vão ser obrigados a fechar nas próximas décadas. Não são só os investidores a começar a desconfiar das benesses do ESG, os próprios governos começam a dar passos atrás. A Alemanha voltou atrás na decisão de desmantelar as centrais de carvão. A desculpa imediata foi a Guerra na Ucrânia, mas existe um consenso generalizado de que a transição para uma economia verde vai ser lenta e ainda estamos numa fase em que se necessitam investimentos adicionais em combustíveis fósseis e o governo alemão apercebeu-se de que aquilo que pretendia desmantelar ainda pode ser um activo útil para o desenvolvimento económico. Os países asiáticos não só não reduzem o número de centrais a carvão como planeiam aumentá-lo.

Parte do êxito da filosofia ESG entre os investidores deveu-se a que, em economias desenvolvidas, estes se encontrem cada vez mais distantes do processo produtivo. As principais empresas são financiadas por grandes reservatórios de pequenas poupanças como são os bancos, os fundos de pensões e os fundos de gestão passiva. A ICI estima que estes últimos ultrapassaram recentemente a gestão de fundos tradicional no valor dos activos sob gestão nos Estados Unidos. Na sua estimativa os fundos passivos são donos de 16% do capital das empresas cotadas em bolsa nos Estados Unidos. Isto significa que os donos destas gestoras são os principais acionistas de todas as grandes empresas norte-americanas. Em realidade são apenas fiduciários dessa propriedade, que realmente pertence aos subscritores dos seus fundos, mas o poder de decisão que têm na gestão dessas empresas pode parecer ilimitado.

De entre todos os gestores de fundos sobressai o nome de Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora de fundos passivos do mundo. De facto, Larry Fink anunciou durante a Pandemia que a sua empresa ia duplicar a sua oferta de fundos ESG e exortou os CEOs das empresas em que a Blackrock investiu capital (em nome dos partícipes) e levarem a sério a ameaça climática, a desinvestir do carvão como fonte de energia e a medir o impacto das suas companhias no meio-ambiente. Já em 2021, a BlackRock envolveu-se numa disputa acionista em que apoiou a proposta de um pequeno hedge fund chamado Engine nº1 para eleger administradores e proceder a mudanças radicais no gigante petrolífero Exxon no que diz respeito às políticas climáticas. Isto foi aclamado como uma mudança de paradigma dentro da gestão das grandes empresas com os grandes fundos a pôr-se do lado da defesa do meio-ambiente. Essa mudança de paradigma, como tantas outras acabou em nada.

O problema da BlackRock é que o êxito do seu modelo depende de poder oferecer aos investidores o acesso aos mercados de capital de forma eficiente e barata. Isso significa por um lado que, mesmo que os seus gestores sejam favoráveis a uma ética mais consoante com os critérios ESG, em última análise, eles dependem de que os investidores continuem a comprar os seus fundos e existem sérias limitações ao que podem impingir. Por outro lado e mais importante, para Larry Fink realmente poder operar mudanças significativas na maneira como as empresas encaram a problemática ESG, ele teria que ter uma implicação muito maior na gestão de milhares de empresas, algo que aumentaria significativamente os custos operacionais da BlackRock e a impediria de poder fazer de forma eficiente aquilo que faz melhor que são produtos financeiros diversificados e baratos. Ou seja, se a BlackRock quisesse aproveitar a sua situação de proprietária de todas as empresas americanas para planificar a economia, encontraria exatamente os mesmos problemas que um planificador socialista porque enfrentaria o mesmo problema da impossibilidade de proceder ao cálculo económico de que falaram Mises e Hayek (uma boa explicação da questão pode ser encontrada aqui).

Não é por isso surpreendente que, dois anos depois, ciente do perigo de a moda ESG se tornar em algo que pode por em causa a prosperidade do mundo Ocidental, Fink tenha feito marcha atrás na mais recente carta que enviou aos CEOs (que no fundo é principalmente dirigida aos seus clientes), sob o título nada ambíguo “O Poder do Capitalismo”. Apesar de não ter deixado cair o lero-lero da importância dos stakeholders, deixou claro que a principal missão dos gestores das empresas é maximizar o lucro dos acionistas. Milton Friedman deve estar a rir-se dentro do túmulo. Larry Fink, que cumpre 70 anos no próximo dia 2 de novembro, descobriu que, afinal, fala em prosa.

* Friedman referia-se provavelmente a Monsieur Jourdain, personagem principal da peça O Burguês Fidalgo de Molière, que em conversa se apercebeu que desde que começou a falar, havia mais de 40 anos (e não 70), falava em prosa.

Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.