Muitas pessoas, solteiras, celibatárias, divorciadas ou viúvas, estão a viver sozinhas esta quarentena, tendo-se intensificado a sua experiência de solidão. Para algumas delas, habituadas a fazer boa companhia a si mesmas e a viver bem sozinhas, essa vivência não é angustiante, nalguns casos pode até ser pacificadora e estimulante. Para outras, estar quase permanentemente sozinho (tirando a ida ao supermercado ou à farmácia ou o passeio higiénico) é muito difícil, porque implica sentimentos de abandono e desamparo. Sentem-se perdidas emocionalmente e sem saberem o que fazer. Caem numa passividade depressiva, por não se segurarem bem a si próprias, inundadas pela tristeza e ansiedade por se sentirem sós. Ou dedicam-se em excesso ao trabalho e sobrecarregam-se de tarefas, sem nunca estarem paradas, de modo a não sentirem e pensarem na sua angústia de solidão.

É claro que viver sozinho tem um lado muito duro de só consigo poder contar e dois braços às vezes não chegam para tudo alcançar, mas há sempre outras pessoas à nossa volta (os vizinhos, os amigos, com quem se pode contactar à distância) ou dentro de nós (as que recordamos e nos dão alento). O orgulho que a pessoa sozinha pode sentir por ser capaz de cuidar de si mesma é também outra forma de se fazer acompanhar.

A capacidade de estar só, como explicou o psicanalista Donald Winnicott, é de extrema importância para o amadurecimento humano. Nasce a partir de um bom colo de mãe quando bebé, depois através de um bom ambiente também seguro em nosso redor, um envolvimento contentor que nos faça sentir seres unos e inteiros, protegidos. Antes de partirmos sozinhos para o mundo, experimentamos estar sozinhos na presença daqueles em quem confiamos. Assim se vai fazendo o crescimento emocional, de forma gradual, e construindo uma identidade que permite reconhecer uma existência inteira da personalidade que nos constitui enquanto seres individuais, diferenciados e autónomos. E é já adultos, dos vinte aos cem anos, que aqueles que, pelas mais diversas razões, se encontram a viver sozinhos podem beneficiar das experiências de bons vínculos afetivos do passado para sentirem autoconfiança e viverem da melhor forma em auto-companhia.

Quem está sozinho e sente ampliadas as dificuldades inerentes a esta condição pode aproveitar este tempo de suspensão para transformar eventuais sentimentos negativos em algo mais construtivo para si mesmo, fazendo uso dos seus recursos interiores. Para tal, tente perceber o porquê do seu sentimento de solidão e de onde vem esse vazio, com certeza ligado a experiências passadas que pode tentar reinterpretar. Abrace o desafio de mudar a forma como olha para as suas condições de vida e tenha a coragem de arregaçar as mangas e perceber o que pode reencontrar e reinventar dentro de si. Comece por dar-se tempo para este trabalho introspetivo. Redefina uma rotina que passe por cuidar melhor de si mesmo. Descubra e respeite o ritmo que lhe é próprio, na sua singularidade. Escute o silêncio, que dá uma sensação de quietude e apaziguamento. Aprecie as pequenas coisas boas de que pode usufruir. Trace planos para o futuro próximo que vão ao encontro de desejos há muito adiados. Construa intimidade consigo mesmo, espaços e estratégias de proteção contra agressões de qualquer tipo. Desintoxique-se de possíveis más influências externas. Mantenha e restabeleça o contacto com bons amigos e familiares, com quem escolhe partilhar a sua vida porque lhe trazem coisas boas. Estude. Medite. Crie (a criação artística só é possível na vivência da solidão). Acima de tudo, descanse. E (auto)aprecie-se. Roubando um trecho de poema a André Tecedeiro, não há solidão comparável à de vivermos longe de nós…

anaeduardoribeiro@sapo.pt

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