De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) as doenças cardiovasculares são um grupo de enfermidades do coração e dos vasos sanguíneos que incluem, para só referir as mais comuns, a doença coronária, a doença cerebrovascular, a doença arterial periférica ou a doença cardíaca congénita.
A sua relevância em termos de políticas de saúde advém de serem a principal causa de morte em todo o mundo, Europa e União Europeia incluídas onde, com matizes diferentes entre países, constitui igualmente a primeira causa de morte.
Além disso, as doenças incluídas neste grupo têm uma marca muito forte das desigualdades existentes entre países e dentro de cada país e podem ser preveníveis ou tratáveis o que, a ser eficaz, diminuiria a pressão financeira que exercem sobre os sistemas de saúde e os custos sociais e económicos alargados que provocam em toda a sociedade com uma expressão elevadíssima.
Razão pela qual, a OMS desenvolveu um Plano de Acção Global para a Prevenção e Controle das Doenças não Transmissíveis (DNT) 2013-2020 onde se identificam as linhas consideradas mais eficazes, do ponto de vista das políticas de saúde, para a mitigação de um problema que é mais vasto, mas do qual, naturalmente, faz parte com destaque a primeira causa de morte a nível mundial, ou seja, as doenças cardiovasculares.
As sociedades científicas, além de contribuírem com o seu saber para a elaboração deste género de documentos de orientação, constituem-se como parceiras dos Estados Membros e das agências internacionais na sua aplicação prática e produzem um trabalho de acompanhamento, avaliação e sensibilização, quer dos profissionais, quer do público em geral que constitui um activo extremamente valioso nem sempre reconhecido como tal pelo poder político.
Para se perceber melhor a dimensão do problema, a Sociedade Europeia de Cardiologia desenvolveu — em parceria com a Rede Europeia da Saúde do Coração para a luta contra a doença cardíaca e o AVC — a Carta Europeia para a Saúde do Coração e divulga, periodicamente, os números atinentes a este grave problema de saúde pública.
Para nos centrarmos apenas na sua dimensão económica na União Europeia (UE), o título da análise resultante de um estudo colaborativo entre a Sociedade Europeia de Cardiologia e a Universidade de Oxford divulgado em agosto de 2023 é o seguinte: “O Custo da Doença Cardiovascular na Europa é maior que todo o orçamento da União Europeia”.
Seguindo de perto o estudo apresentado no Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia de 2023, com tradução minha, o custo económico estimado na UE, em 2021, foi de 282 mil milhões de euros, o que corresponde a 2% do PIB da UE e é significativamente maior do que o valor destinado aos fundos de apoio à investigação, à agricultura, às infraestruturas e à energia na UE. Só a saúde e os cuidados de longa duração representaram 155 mil milhões (55%) desses custos, correspondendo a 11% do total da despesa de saúde em todos os países que integram a UE.
Anualmente a doença cardiovascular causa 3,9 milhões de mortes na Europa e mais de 1,8 milhões na UE, representando 45% do total de mortes na Europa e 37% na UE, sendo a primeira casa de morte para homens, em todos menos 12 países da Europa e a principal causa de morte das mulheres, em todos, menos dois países. É ainda a principal causa de mortalidade na Europa antes dos 65 anos e 15% das mortes na Europa por doença cardiovascular são devidas a açúcar elevado no sangue.
O custo dos tratamentos bem como as perdas de produtividade dos doentes e dos que deles cuidam, o impacto das incapacidades e as mortes prematuras contam para este números astronómicos que deveriam ser bem divulgados para que a sociedade se mobilizasse. Isto no sentido de também assumir o seu papel num problema que pode ser substancialmente mitigado através das escolhas que cada um faz para si próprio, mas também no exercício democrático do direito/dever de voto que possibilita a opção por políticas públicas competentes.
O Relatório da OMS/Europa, libertado em maio de 2024, sob o título “Acção sobre o Sal e a Hipertensão Reduzir a Carga da Doença Cardiovascular na Região Europeia da OMS” aponta as linhas de políticas a seguir para a prevenção e o tratamento desta ameaça que causa cerca de dez mil mortes por dia na região, atacando seus principais potenciadores: a hipertensão arterial e o consumo excessivo de sal como uma das principais causas.
O caminho e as prioridades são hoje largamente aceites e definidos de forma colaborativa entre cientistas, responsáveis pela definição das políticas de saúde e associações de pacientes. Não há desculpa para a sua não adopção. Podemos prevenir os comportamentos causadores da doença, envolvendo a sociedade, podemos abordar cada vez melhor – e mais cedo – as causas não preveníveis e podemos organizar os cuidados de saúde por forma a que o tratamento e controle sejam prestados de forma integrada, contínua, competente e atempada, ou seja, no tempo certo.
Sabemos que a prevenção só produz efeitos em tempo longo, por isso tem que se começar/ retomar o mais depressa possível todos os programas que, de forma indevida e irresponsável foram abandonados, como as Escolas Promotoras de Saúde em articulação com a Educação que permitiam a sensibilização precoce para a adopção de comportamentos saudáveis e a formação básica alargada em socorrismo e manobras que podem salvar vidas.
De uma maneira geral, toda a articulação transversal que proporcione a “Saúde em e para Todas as Políticas” é urgente, em termos nacionais, regionais e locais. Uma chamada de atenção para a inclusão da Saúde nos Projectos que o PRR financiará na construção de habitação que deveria ter em linha de conta as especificidades a adoptar em termos de planeamento urbanístico, quer na construção, quer na orientação ou arejamento das habitações em termos que favoreçam a saúde para além da concepção do espaço exterior que proporcione o exercício físico.
No que se refere ao tratamento e gestão da doença, é imprescindível a adopção generalizada das normas de orientação clínica assentes na evidência científica, proporcionando a toda a população a adequada organização de cuidados em que o Sistema de Informação da Saúde tem que constituir um aliado estruturante.
No que se refere à gestão da doença, o funcionamento das Vias Verdes tem que ser reposto o mais depressa possível! Dói-me que uma iniciativa pioneira com mais de 25 anos viva agora as vicissitudes que a comunicação social tem vindo a reportar de forma recorrente.
O direito à protecção da Saúde é um direito humano constitucionalmente reconhecido e é constituído por duas componentes: a universalidade que cabe ao Estado assegurar através do SNS e o dever de cada um de nós de defender e promover a sua saúde. Não esqueçamos esta última combinação e adoptemos os comportamentos que nos permitirão acrescentar não só mais anos à vida como mais vida aos anos.
Dar a devida prioridade nesse combate à doença cardiovascular seria uma decisão inteligente.
Maria de Belém Roseira foi ministra da Saúde, ministra para a Igualdade e deputada durante várias legislaturas. Desempenhou inúmeros cargos nacionais e internacionais ao longo das últimas décadas, como o de presidente da Comissão Parlamentar de Saúde ou presidente da Assembleia Mundial da Organização Mundial da Saúde.
Arterial é uma secção do Observador dedicada exclusivamente a temas relacionados com doenças cérebro-cardiovasculares. Resulta de uma parceria com a Novartis e tem a colaboração da Associação de Apoio aos Doentes com Insuficiência Cardíaca, da Fundação Portuguesa de Cardiologia, da Portugal AVC, da Sociedade Portuguesa do Acidente Vascular Cerebral, da Sociedade Portuguesa de Aterosclerose e da Sociedade Portuguesa de Cardiologia. É um conteúdo editorial completamente independente.
Uma parceria com:
Com a colaboração de: