A minha primeira lição de estatística tive-a quando ainda não tinha entrado para a faculdade. Um sábado chegámos à aldeia e encontrámos a senhora que lá trabalhava em lágrimas: o seu filho de 8 anos estava internado no hospital com uma doença muito grave que lhe paralisara as pernas. Meu pai, médico e professor de Medicina, ligou para o hospital e falou com um médico de quem tinha sido chefe de equipa, que nos tranquilizou: “Chefe, não se preocupe. Isto é um Guillan-Barré.” Escusado será dizer que quando chegámos a casa fomos estudar. Abrimos o famoso Harrison (provavelmente o livro mais odiado pelos médicos) no capítulo das doenças neurológicas de onde retive que entre os portadores desse síndrome neurológico, 85% sobreviviam sem sequelas, 10% com sequelas e 5% morriam. Actualmente os números são diferentes (melhores), mas já se passaram quase 40 anos. Foi a nossa vez de tranquilizar a mãe, que nos agradeceu, com alívio e esperança, a boa notícia. Infelizmente a coisa não correu bem. O miúdo foi piorando e, em vez de recuperar, foi para os cuidados intensivos e acabou por morrer.

A lição a tirar daqui é que os números de populações não se aplicam de forma directa aos indivíduos. Por isso, as estatísticas que lemos e ouvimos dizem respeito a probabilidades e não descrevem a pessoa que temos à nossa frente. Cinco por cento é 1 em 20. Se naquele dia houvesse 20 miúdos com a mesma doença, nas mesmas condições, a fava calhou ao nosso pequeno. São as leis da Matemática a funcionar.

Mas mesmo que as contas e as probabilidades sejam numericamente favoráveis a uma determinada tese, elas têm que partir de um argumento com suporte racional, baseado no conhecimento que se tem sobre o assunto, uma ideia que faça sentido. Nunca me esqueço de um artigo que uma vez li, que tentava demonstrar que um dado medicamento (análogo sintético de uma molécula natural) apresentava melhores resultados do que o seu concorrente, que era igual ao que se encontra na natureza. Apesar de o estudo ser aparentemente bem feito, algum erro metodológico terá passado os crivos da análise da revisão por pares e chegou à publicação. Uma molécula sintetizada não pode ser melhor do que a molécula natural que pretende mimetizar. Pode ter sido um viés de selecção da amostra, um erro na recolha dos dados, um engano na gestão dos resultados ou mil outras causas. O descrédito foi tal, que entre a comunidade médica a quem interessava o artigo, cada vez se acreditou menos no medicamento e hoje em dia prescrevemos quantidades residuais.

É por isso imperioso que procuremos os factores confundidores que terão tido influência nos resultados estatísticos que os estudos mostram. Se fizermos um estudo, mesmo cumprindo todas as regras metodológicas, facilmente concluiremos que quem entra no hospital de maca morre mais do que quem entra pelo seu próprio pé. Será que isto nos permite concluir por algum efeito prejudicial da própria maca?

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Quando vivemos uma situação como a da actual pandemia com um forte componente de desconhecimento, temos que nos guiar por estatísticas extrapoladas a partir dos poucos dados que temos. Ainda assim, em 2021 estamos muito mais sabedores do que em 2019! Mas ainda não temos (e não podemos ter) certezas de nada.

Por isso os peritos se digladiam com argumentos e cada um tem uma parte da razão e uma aproximação à verdade. O assunto está longe de ser uma questão de “preto e branco”.

Cabe aos especialistas fazer a análise rigorosa das evidências existentes e apresentar as suas conclusões, baseadas num suporte racional, devidamente acompanhado da evidência disponível que o suporta, sem paixões nem preconceitos. Aqueles cujas teses não encontram suporte científico devem aceitá-lo no momento e, se for pertinente, continuar a investigar para se perceber porque é que uma determinada ideia que tem lógica, que faz sentido, não consegue passar o teste da evidência.

Cabe à DGS digerir esta informação, tornando-a perceptível pela população leiga que não sabe ler os dados da ciência. Cabe aos políticos tomar decisões, entrando em linha de conta com todos estes factores e outros não directamente relacionados com a problemática em questão, mas que devem ser tidos em conta. Finalmente, cabe aos cidadãos tomar as decisões, cada um de acordo com o seu nível de conhecimento e capacidade de análise. O que é exigível é que cada etapa deste processo seja feita com transparência: os métodos, os resultados, a multiplicidade de leituras e conclusões possíveis, os potenciais conflitos de interesse. Nada deve ser escondido.

Sabemos que fumar, não fazer exercício, fazer exercício excessivo, comer mal, ter comportamentos sexuais de risco fazem mal: prejudicam a saúde e aumentam a mortalidade. A ciência já o demonstrou, a DGS emitiu normas, os políticos fizeram leis. E agora cada um, com pleno conhecimento dos riscos, faz o que entende com a sua vida, e faz a sua saúde depender dos seus comportamentos. Porque não havemos de proceder do mesmo modo para as vacinas?