Quem já foi assaltado na rua ou nos transportes públicos conhece o super-profissionalismo dos super-carteiristas que nas últimas décadas desaguaram nas grandes cidades e, em especial, nos bairros e centros históricos por onde passam diariamente centenas, milhares de turistas. Em todos os vidros do Metro, autocarros, comboios e eléctricos há autocolantes a alertar para o profissionalismo destes bandos de aves de rapina, que nos roubam carteiras, documentos e dinheiro num bater de asa. Há inclusivamente quem lhes conheça a cara e se atreva a apontar-lhes o dedo em pleno voo. Já me aconteceu apanhar o 28 num dia em que iam três carteiristas conhecidos dos alunos de um liceu que também viajam diariamente nesta linha, e uma das jovens estudantes atreveu-se com enorme coragem a apontá-los um por um.

— Este é carteirista e está vestido de fato para enganar as pessoas sérias. Aquele também é ladrão e veste-se de artista para se misturar com os turistas mais descontraídos. O outro anda sempre vestido de preto para ver se não dá nas vistas, mas todos os dias rouba turistas chineses e japoneses. Por causa dele todos os dias há choro e lágrimas no 28!

Ouvi a jovem estudante com perplexidade. Aliás, todos partilhamos esta mesma perplexidade perante uma cena mais que improvável, pois nenhum dos três acusados se deu ao trabalho de se indignar perante o enunciado. Cada um manteve o nervo e o olhar sempre fixo em frente. Como se a rapariga não existisse e a conversa fosse sobre o sol ou a chuva lá fora. Muito impressionante. Nunca tinha visto a cara de um carteirista e muito menos de três ao mesmo tempo, aparentemente apanhados por esta miúda sem medos nem filtros, que achou que era seu dever prevenir os presentes.

Todos saíram na paragem seguinte, com urgência repentina e cada um para seu lado, sem olhar para ninguém e muito menos para a miúda-polícia. Estranha forma de vida, esta. A jovem estudante permaneceu no eléctrico e respondeu tranquilamente a todas as perguntas que lhe fizemos a seguir. Disse que sempre que reconhece um carteirista no Metro ou no eléctrico avisa todos os que lá vão dentro e declarou que esta é a sua forma de evitar que, pelo menos os que viajam com ela, sejam roubados. Perguntamos-lhes se nunca lhe aconteceu nada, se os carteiristas não se vingam dela. A rapariga disse que não, que eles fazem sempre a mesma coisa: fingem que não a ouvem nem a conhecem. Estratégia pura.

Voltei a lembrar-me desta jovem na semana passada, quando fui assaltada no Metro e num abrir e fechar de olhos fiquei sem a carteira e todos os documentos. Quem me dera que houvesse mais miúdas como estas a evitar assaltos nos transportes públicos…

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