Será que cada país tem o governo que merece? A crise governativa das últimas semanas mostrou à saciedade que a sociedade portuguesa merece um governo melhor. As sucessivas remodelações a que o governo tem sido obrigado mostram que este não tem estado à altura das exigências da sociedade.

O primeiro-ministro fala com frequência da geração mais educada de sempre, mas parece não ter percebido que uma população mais educada é também uma população mais exigente. Também os que cá ficam, e não votam com os pés, exigem governos mais competentes. No entanto, tal como tem acontecido com as empresas, onde as qualificações dos trabalhadores têm evoluído mais rapidamente do que as dos gestores, também as qualificações dos governantes parecem não estar a acompanhar a evolução das da população. Assim, a sensação que se vai instalando é que os governos ficam aquém daquilo que o país espera e merece.

Em março de 2022, quando António Costa anunciou a formação do seu governo, apoiado pela maioria absoluta do Partido Socialista, eu e outros comentadores considerámos que era um governo muito fechado sobre o seu núcleo duro. Em muitas dimensões, fosse a nível regional ou do sector privado, a composição do governo não representava o país. Saltava à vista que não representava o melhor da nossa sociedade. Desde a sua formação original, as sucessivas demissões e nomeações de secretários de estado e de ministros oriundos da estrutura governativa ou do Partido Socialista confirmaram um governo cada vez mais fechado na sua bolha.

A propósito das nomeações da semana passada, muitos perguntaram se nesta altura outras personalidades, afastadas da vida partidária, já não aceitariam fazer parte do governo. Será que António Costa já não consegue atrair pessoas com mais talento e competência para integrarem o governo? Será que a degradação da imagem dos governantes, para a qual os casos recentes muito têm contribuído, afastou de vez do governo personalidades de mérito independentes?

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A meu ver, um governo com maioria absoluta, que ainda tem quase quatro anos de legislatura para cumprir, não teria dificuldade em atrair membros destacados da nossa sociedade. No fundo, o primeiro-ministro está apenas a ser consistente. Desde o início, optou por recorrer a uma base de recrutamento muito restrita. Marx terá escrito que a quantidade gera qualidade. E, como temos visto com o atual governo, de uma escassa base de recrutamento dificilmente resultará qualidade.

No caso das recentes nomeações, à escassez da base de recrutamento juntou-se ainda a falta de escrutínio e exigência nas escolhas para a participação no Governo da República. O próprio primeiro-ministro colocou em cima da mesa a necessidade de introduzir mecanismos de escrutínio prévio – o vetting político. No entanto, nos casos mais sonantes das últimas semanas, o problema não foi apenas a falta de escrutínio. Conhecendo os factos, o primeiro-ministro defendeu publicamente os então secretários de estado Miguel Alves e Carla Alves. Veja-se, por exemplo, o discurso do primeiro-ministro na semana passada na Assembleia da República, defendendo a situação da secretária de Estado da Agricultura. Ou o elogio da ministra Ana Catarina Mendes, no fim-de-semana, numa visita a Viana de Castelo, ao ex-secretário de Estado Miguel Alves.

A defesa daqueles dois ex-governantes é eloquente sobre o grau de exigência hoje existente para integrar o governo. No entanto, aqueles exemplos mostram também o desligamento que existe entre o governo e a sociedade. O primeiro-ministro tenta fugir a esta evidência acusando os seus críticos – media, redes sociais, partidos da oposição – de viverem eles próprios fechados numa bolha e ignorando os verdadeiros problemas do país. Na verdade, o governo, de quem se esperam soluções, tornou-se uma fonte de ruído e de problemas. A sociedade exige um governo muito melhor. O Presidente da República, que vive fora da bolha, já percebeu isso.

O sucesso dos países depende da existência de instituições que aproveitam e potenciam as melhores qualidades dos seus cidadãos. Estes mecanismos exigem abertura, exigência e transparência nos processos de seleção, em que o governo devia ser exemplar. Um dos efeitos mais nefastos dos casos das nomeações e demissões dos últimos meses é a degradação da confiança nas instituições e nos mecanismos – para usar a palavra do primeiro-ministro sobre o escrutínio dos futuros governantes – de seleção e promoção para os mais altos cargos na nação. Qual o papel do mérito nas nomeações para o governo? Perante o que temos assistido, muitas famílias se perguntarão, estudar para quê?

A exigência da sociedade por um governo melhor não devia servir de aviso apenas ao atual governo e ao PS. Devia ser também um referencial para os partidos da oposição, em particular para o PSD. Este não pode ficar simplesmente à espera que chegue a sua vez de formar governo. Tem de construir e oferecer à sociedade portuguesa um programa alternativo, inovador e mobilizador.