É doloroso dizê-lo, mas é um facto incontestável: o poder real do Parlamento Europeu (PE) é praticamente nulo. Não tem iniciativa legislativa, que está nas mãos da Comissão, e a pouca que poderá ter é exercida por portas travessas. Mesmo no que diz respeito ao orçamento europeu, basta um único representante do Conselho para bloquear qualquer decisão dos eurodeputados. As principais decisões não passam pelas suas mesas. Sim, podem emitir um voto de desconfiança na Comissão. Mas é o máximo que lhes é permitido (a única vez foi em 1999, quando a corrupção tomou conta da então Comissão Santer, que se demitiu antes do seu voto de censura).
É igualmente desconfortável dizer que as eleições que terão lugar em todos os Estados-membros nos dias 8 e 9 de Junho nem sequer são verdadeiramente europeias, porque deveriam prever, por exemplo, que um lepenista francês pudesse votar no português António Tânger Corrêa. Ou que eu, portuguesa, possa votar num candidato às eleições europeias espanhol. E assim por diante. Logo, o ritual de legitimação daquele que deveria ser o órgão expressivo dos povos europeus, mais não é do que uma corrida pelo maior número de assentos na segunda e terceira fila da classe política de cada país. Eis o carácter democrático da UE.
Tal não significa, esclareça-se, que os assentos estão ao alcance de qualquer candidato. Não estão. É preciso muito esforço, dedicação e dinheiro. Regra geral, vencem aqueles que têm total apoio financeiro do partido. Os outros têm de se contentar com os seus próprios recursos.
Contudo, qualquer sacrifício valerá a pena se o objectivo for alcançado. A eleição como eurodeputado vale 3 milhões de euros, garantidos ao longo de cinco anos, faça sol ou faça chuva. O eleito ganha um salário base de 10.000 euros brutos ou 7.850 euros líquidos em Bruxelas. Mais 4.950 para despesas gerais (ISG). Mais um subsídio diário de 350 euros por cada dia de presença física no Parlamento em Bruxelas ou Estrasburgo. Trabalha cinco dias por semana durante três semanas por mês, excepto Agosto, e portanto: o subsídio diário total é: 5.250 euros.
No final, tudo somado, o eleito recebe 18.050 euros líquidos por mês. Quem já cumpriu dois, três, quatro mandatos entre Bruxelas e Estrasburgo, deve ter um bom pé-de-meia. “É só fazer as contas”…
Até porque, aos 18.050 euros efectivamente reembolsados por cada eleito, há que acrescentar outras rubricas secundárias: os chamados “400 fundos” que são entregues aos grupos parlamentares e por eles disponibilizados aos membros individualmente para diversas actividades: 2.630 euros por mês. E ainda: 400 euros por mês de reembolso para viagens oficiais ou por outros motivos. Isto leva-nos a um total de 21 mil euros.
Os eurodeputados têm ainda direito a 28.700 euros para contratar assistentes. No máximo três em Bruxelas e quantos quiserem no seu círculo eleitoral.
Isso é tudo? Não: cada eurodeputado pode convidar até 110 visitantes por ano para Bruxelas ou Estrasburgo, que custam 540 euros cada. Com tudo incluído cada eurodeputado tem (o que não significa que reembolse) 50 mil euros por mês.
Há que acrescentar, ainda, o reembolso de dois terços das despesas médicas incorridas durante o seu mandato, bem como o direito a uma pensão a partir dos 63 anos até 70% do último salário bruto recebido.
A cereja no topo do bolo? Os eurodeputados podem receber salários “adicionais” por trabalhos extraparlamentares. Há, portanto, eurodeputados com um segundo, terceiro ou quarto emprego, inclusive, em empresas que exercem actividades de lobbying sobre as políticas da UE, com os quais ganham mais do que com o seu salário de eurodeputado, segundo o relatório divulgado na segunda-feira da “Transparency International EU”. O relatório concluiu que 70% dos 705 eurodeputados exercem algum tipo de actividade paralela, remunerada ou não, enquanto em 2011 eram apenas 21%.
Entre os vinte eurodeputados mais populares pela sua competência “extraparlamentar”, nove são membros do Partido Popular Europeu, seis pertencem a partidos nacionalistas ou pertenciam ao grupo misto, depois dois socialistas e dois liberais. No topo da lista está o lituano Viktor Uspaskich que, além dos cerca de 120 mil euros anuais que recebe como eurodeputado, ganha mais 3 milhões de euros em trabalhos à margem das suas funções no PE. Seguem-se Jérôme Rivière (220 mil euros) e László Trócsányi (171,6 mil euros), Manfred Weber (170 mil euros) e Guy Verhofstadt, com 131.988 euros provenientes, na sua maioria, de diversas sociedades financeiras e de conferências sobre os diversos temas das reformas europeias, que ele próprio coordenou parcialmente em nome e por conta do PE.
Dos eurodeputados portugueses, Ricardo Morgado lidera a tabela, com um rendimento extra de 68,0 mil euros, seguido de Vasco Becker-Weinberg (30,8 mil euros), Carlos Coelho (12 mil euros), José Gusmão (1.200 euros) e de Lídia Pereira (330 euros).
Escusado será dizer que há eurodeputados a navegar em águas excessivamente turvas, que não permitem distinguir as suas actividades extraparlamentares permitidas daquelas ligadas ao lobbying, razão pela qual a Transparência Internacional pediu ao PE que proibisse todos os empregos secundários, remunerados e não remunerados. Esqueceu-se, porém, que, tendo a proibição de ser votada por unanimidade pelos próprios eurodeputados, o seu pedido seria de imediato ignorado.
Compreende-se. Quem, no seu juízo perfeito, estaria disposto a abrir mão do melhor emprego do mundo? Desse investimento seguro que é um assento em Bruxelas? De poder gastar e gastar (e até mesmo endividar-se), tornando-se não honrado, mas super honrado?