“Tem sido colocada sobre o Partido Socialista uma pressão, no que diz respeito ao Orçamento de Estado, que não é aceitável. O Partido Socialista perdeu as eleições, está na oposição. Não chateiem o PS!” Foi assim que Pedro Nuno Santos reagiu às perguntas dos jornalistas sobre o sentido de voto do PS no próximo Orçamento de Estado. Muitos comentadores criticaram o uso do plebeísmo e a falta de paciência, apontando-o como prova de que Pedro Nuno não tem postura de Estado e continua a ser o mesmo adolescente resmungão que se estava a marimbar para os banqueiros alemães.
Nada mais falso. Esta análise pela rama, própria de um comentariado preguiçoso e conformista, não abarca a complexidade do pensamento estratégico do secretário-geral do Partido Socialista. Felizmente, como alguém que, quer na vida pessoal, quer a nível profissional, possui vasta experiência a chatear pessoas, tenho a capacidade de avaliar a chatice em todos as suas dimensões. E posso afirmar, sem grandes dúvidas, que o pedido de Pedro Nuno Santos para não chatearem o PS é prenhe de significado político.
Conjugando o verbo chatear, Pedro Nuno alude a uma rica tradição de estadistas chateados. Repare-se que PNS podia ter dito “não macem o PS!”, ou “não aborreçam o PS!”, ou mesmo “não lixem a cabeça ao PS!”. Porém, optou por “não chateiem”. Assim, as declarações de PNS aos jornalistas evocam outras, com quase 50 anos, prestadas pelo Almirante Pinheiro de Azevedo: “Fui sequestrado já duas vezes. Já chega. Eu não gosto de ser sequestrado, é uma coisa que me chateia”. Astuto, Pedro Nuno Santos equipara as questões sobre o OE não a um, mas a dois sequestros do Governo, sublinhando a gravidade da curiosidade jornalística.
Longe de mostrar Pedro Nuno Santos como o fedelho impertinente que o comentariado insiste que ele é, esta é a primeira vez que PNS tem uma tirada digna de futuro primeiro-ministro de Portugal. Nunca, como até este “não chateiem o PS”, Pedro Nuno Santos provou estar tão umbilicalmente ligado ao povo. Nenhum líder do PS mostrou este entrosamento com os portugueses desde que Mário Soares gritou: “Ó sr. Guarda, desapareça!” a um GNR da brigada de trânsito que quis multar o autocarro onde o então Presidente da República seguia. Tal como Soares desabafou em voz alta o que qualquer português pensa quando é mandado parar pela bófia, também Pedro Nuno teve a coragem de verbalizar o estado de alma de todos nós em Agosto. É que são as férias, caraças. E em férias, o único objectivo de um português é que não o chateiem.
Durante um mês, o português quer que o chefe não o chateie, que os filhos não o chateiem, que a sogra não o chateie, que o treinador do Benfica não o chateie, que o tipo do toldo ao lado não o chateie, que o conflito israelo-palestiniano não o chateie. Em Setembro, chateiem à vontade. Ele próprio vai chatear algumas pessoas, a começar pela mulher. Mas, para já, eh, pá, façam o favor e não o chateiem. O que é difícil, tratando-se Portugal de um sítio onde toda a gente começa uma conversa com “não quero ser chato”, que significa “vou chateá-lo um bocadinho”.
O “não chateiem o PS” entra directamente para o ranking das melhores solicitações para ser deixado em paz, uma tabela ainda encimada pela súplica de Greta Garbo, que pediu para ser deixada em paz. Pedro Nuno, a Garbo de São João da Madeira, tornou-se numa versão humana daquele sinal “do not disturb” que se pendura na porta do hotel, um herói para todos os que não querem que os chateiem. O que acaba por ser paradoxal, uma vez que PNS é socialista, e se há coisa que os socialistas apreciam é meter o bedelho em tudo o que não lhes diz respeito.