Temos de reconhecer a verdade: a culpa das fake news não é das fake news, nem das redes sociais. Nem sequer é toda dos fanáticos ideológicos ou dos minions de interesses rasteiros que as congeminam. A culpa das fake news é sobretudo do público acéfalo que corre a acreditar nelas e a divulgá-las. E dos intermediários sem resquício de seriedade intelectual (ou outra – e são tantos) que nas redes sociais sabem bem que estão a divulgar mentiras e distorções da verdade mas que partilham as ditas fake news na forma interrogativa, com um ‘será verdade?’ ou sucedâneo.
E aparentemente há um público imenso com a sofisticação intelectual de um Homer Simpson e que emula a relação deste com a televisão, não concebendo que desta possa vir uma falsidade. Sobretudo se for partilhada por alguma entidade geralmente revestida de qualquer autoridade, ou se apresentar como bem informada. (Bem falante não precisa de ser, porque a forma vagamente, muito vagamente, parecida com a língua portuguesa usada pelos autores e divulgadores de fake news bastaria em qualquer pessoa proficiente na dita língua para desconfiar da veracidade da mensagem.)
Porque, convenhamos, acreditar que a nova PGR foi fotografada em plena campanha eleitoral num grupo de amigos de José Sócrates, sendo a mulher muito mais nova (e cujas parecenças se resumem a partilhar o conjunto de cromossomas xx) que aparece na fotografia que foi difundida nas redes sociais só é possível na ausência de neurónios funcionais ou de QI sub humano.
O mesmo para pessoas que acham plausível que o primeiro-ministro ou o ministro da administração interna processem um fotógrafo que captou uma imagem de uma deputada que gosta de ter este tipo de atenção a pintar as unhas em pleno parlamento. Um dos posts que apanhei no facebook com esta patranha até tinha link para algo que parecia uma notícia. Fui ler e, claro, só repetia a tontice, sem qualquer citação ou facto que a fundamentasse.
Da mesma maneira só alguém com problemas cognitivos – ou vontade de difundir falsidades – partilha notícias ou memes sobre uma rede de pedofilia em que Hillary Clinton estaria envolvida, ou vídeos em que os Clinton eram dados como responsáveis pela morte de várias pessoas incluindo John John Kennedy (que morreu num acidente de avião). Mas, obviamente, estas mesmíssimas pessoas são tremendamente céticas sobre a mais que evidente ajuda russa à campanha de Donald Trump. Aí nada menos que provas sólidas e irrebatíveis os convencem – tal a seriedade com que tratam alegações sobre políticos.
Porque não é só o defeito nos neurónios que assegura o sucesso das fake news. O ódio político é o principal motor. Já o amor à verdade empalidece. Não interessa nada se uma informação tiver todo o ar de ser falsa ou se for claramente absurda – se servir para atacar os opositores, venha ela.
Sempre houve fake news, sim. Desde as mentiras sobre o colar de diamantes de Maria Antonieta ao falso calote de Sá Carneiro, passando pela relação gay que Sócrates (não) teve com um ator conhecido. Os comunistas foram sempre mestres da desinformação. É ler o Avante.
Sucede que os erros passados e de outros não justificam os presentes. Não se trata de legislar e proibir fake news. Porém ainda sou do tempo em que os liberais argumentavam pelo poder da censura social para expor más condutas – como difundir generalizadamente mentiras com fins políticos. Alertar para este fenómeno é um mínimo de cidadania digital.
As fake news em boa verdade são só um dos sintomas do facto cada vez mais incontestado de a generalidade das pessoas não saber ainda lidar com as redes sociais. Ontem foi apresentado o último livro de Nelson Nunes, Quem Vamos Queimar Hoje?, que conta histórias de ataques concertados nas redes sociais contra alvos que fizeram ou disseram algo que calhou desagradar a almas suscetíveis e sensíveis. Tão sensíveis que não se escusam a ameaçar e insultar compulsivamente, em hordas, pessoas que não conhecem. Um livro, como Ricardo Araújo Pereira (que apresentou a obra) caracterizou, que é uma ‘introdução à barbárie’.
Apesar de serem esta imparável catarse de ódio e uma fonte inesgotável de desinformação para as mentes pouco sofisticadas, as redes sociais fazem parte da vida circa 2018 e não vão a lado nenhum. Mas teremos de encontrar alguma forma de conseguir estar nelas protegidos dos bárbaros digitais. As plataformas terão de ser mais proactivas para identificar abusadores e fake news – e banir ambos. Também não me espanta se se estabelecer uma tendência que volte a fechar os círculos de cada um, substituindo a abertura que inicialmente se supôs possível.
As redes sociais terão de acomodar as suas zonas sombrias. Em todo o caso, como dizia Paulo Ferreira no twitter, ‘Eu ainda sou do tempo em que as redes sociais iam fortalecer a democracia com uma participação pública mais vasta, melhorar a informação e transparência com o jornalismo-cidadão e contribuir para mais tolerância. Seja como for, foi um sonho bonito.’
Post Sciptum a propósito de fake news e teorias da conspiração. Parece que o Observador faz parte de uma conspiração para tomar conta do mundo. Finalmente descobriram-nos a careca. Em boa verdade eu já fiz parte de várias conspirações amplamente financiadas para tomar conta do mundo. Pacheco Pereira há uns anos bem contou que as pessoas ligadas à revista e blogue Atlântico serviam interesses sabe-se lá de quem. (Bom, ele sabia.) De qualquer modo, imaginem o que será quando descobrirem que todos os jornalistas e comentadores do Observador tiveram uma formação num resort de luxo na Manchúria à volta de como passar mensagens subliminares alienantes através da cadência das palavras e da construção frásica. Quando descobrirem é que será bonito.