Há quem tenha falta de noção, há quem não seja transparente, mas o ministro das Finanças, Fernando Medina, parece ser dotado de algo curioso: falta da noção de transparência.

Ser transparente não é comunicar os dados pessoais de promotores de manifestações a entidades terceiras. A isso chama-se violar o Regime Geral de Proteção de Dados (RGPD) – violação essa que custou aos lisboetas 1,25 milhões de euros. Ser transparente também não será com certeza nomear por despacho para coordenador da equipa de coordenação de investimentos em infraestruturas municipais o dono da empresa que viria a ser contratada através de uma consulta forjada que só teria início dezassete dias depois da nomeação. Embora já não seja Presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), transparente seria explicar o porquê de duas das três empresas consultadas pela CML pertencerem a um empresário acusado à data – e posteriormente condenado – por burla e falsificação de documentos, amigo do recém-nomeado coordenador. Mais, à falta de relatórios produzidos por esse coordenador sobre o trabalho desenvolvido, transparente seria esclarecer se o serviço foi efetivamente prestado.

Raras são as vezes em que Fernando Medina tem conhecimento dos factos ou mesmo até do que se passa à sua volta, o que por si só me parece ser um mau sinal no que à sua competência diz respeito ou, no mínimo, quanto à comunicação com as equipas que lidera. No entanto, espero que já tenha adquirido o facto que é óbvio para todos: os seus dias no executivo de António Costa estão contados.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, defendeu (e bem) que entre estar a ser investigado e ser-se condenado vai uma distância considerável. Contudo, os políticos portugueses parecem ignorar que os critérios que determinam a existência de condições para os governantes exercerem tais cargos não se limitam a questões jurídicas. Existem também questões de natureza ética. É fundamental que os cidadãos confiem nos seus representantes e que sintam que estes são eticamente irrepreensíveis.

Mantendo Lisboa como referência, mas num registo um pouco mais otimista, gostaria chamar a atenção para o trabalho que tem sido desenvolvido no último ano como exemplo de como as instituições podem promover uma cultura de integridade interna, mas também fortalecer a confiança dos cidadãos na instituição e nos seus representantes eleitos.

Primeiramente, a escolha da independente Joana Castro e Almeida para vereadora responsável pelo recém-criado pelouro da Transparência e Prevenção da Corrupção dá-nos o sinal claro de algo que me parece ser óbvio: o tema não pode ser politizado. Aliás, deixo bem claro que a corrupção não é uma prevaricação que afeta mais um partido do que os outros, nem tão pouco se cinge ao setor público, mas essas questões deverão ser exploradas oportunamente noutra ocasião. Para aqui importa que, se dúvidas houvesse quanto à concretização de iniciativas, a aprovação do Regulamento e o lançamento do Canal de Denúncias, que permite agora ao Município ter uma ferramenta de comunicação para reporte de irregularidades que violem os princípios da boa governança do mesmo, e o lançamento do Portal da Transparência, uma plataforma online que disponibiliza informação sobre vários temas relacionados com a gestão do Município de Lisboa, dissiparam-nas. Mais, prova de que podemos esperar (e exigir mais) mudanças nos Paços do Concelho de Lisboa são as ações de esclarecimento que têm sido direcionadas aos funcionários, que arrancaram com o 1º Encontro Anual sobre Transparência e Prevenção da Corrupção dos funcionários da CML e das Juntas de Freguesia.

Infelizmente, com certeza ouviremos falar de mais casos na CML e noutras Câmaras deste país – ainda para mais quando a lei exclui a obrigatoriedade de 40% das mesmas implementarem um mecanismo de denúncia interno –, mas são sinergias neste sentido fazem a diferença na forma como os cidadãos percecionam as instituições e os seus líderes. Só assim poderá ser desenvolvida uma relação de confiança que crie efetivamente condições para que os representantes eleitos, ou nomeados por quem tenha sido eleito, governem.

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