Domingo o resultado das eleições espanholas foi ligeiramente surpreendente. Quase todas as sondagens davam o Partido Popular como vencedor e a maioria a Alberto Feijó como Presidente do Conselho de Ministros. O resultado não é de todo animador a que isso suceda e, nos próximos dias, veremos quem pode governar, sendo que Pedro Sanchéz, porque tem a possibilidade de reeditar a geringonça espanhola (carinhosamente baptizada governo Frankenstein pelos votantes de direita), leva ampla vantagem nesse capítulo. No entanto, qual foi a minha surpresa quando hoje, nas análises políticas que me chegam de Portugal, deparo com várias opiniões que asseveram que o Partido Popular foi castigado pelo eleitorado por ter pactado (ou pelo menos namorado) com o VOX, e que a derrota eleitoral deveria servir como alerta ao PSD para que não siga os mesmo passos do maior partido da direita espanhola. Desconheço qual será a melhor estratégia para que o PSD chegue ao poder em Portugal. Se deve pactar ou não com o Chega, e se antes, depois ou durante a campanha. É um tema que não me incumbe. Mas do que estou absolutamente convicto é de que o PP não perdeu as eleições por aproximar-se do extremismo, real ou imaginário, do VOX. Começando pelo facto óbvio de que não perdeu as eleições. Ao que acrescentaria que, num país menos polarizado, governaria com este resultado, com as dificuldades inerentes à negociação num governo minoritário, sem precisar de oferecer ao VOX lugares no governo, como aliás se fez, durante o último governo de Mariano Rajoy, antes de Sanchéz derrubar o governo e criar o Frankenstein.

Percebo, no entanto, que a ideia de que o eleitorado castigou o PP por se juntar (ou poder eventualmente juntar) com o VOX chegou de algum lado. E o mais provável é que o tenham ouvido da boca do próprio Pedro Sánchez que ontem, pouco antes da meia-noite, subiu a uma plataforma montada para o efeito na Calle Ferraz para fazer o seu discurso, mesmo a tempo de cortar o da sua sócia de governo, Yolanda Díaz do SUMAR, e assim receber todo o crédito pelos resultados eleitorais à esquerda. Disse Pedro Sanchéz que tinha sido uma vitória contra o machismo (sic) e que o “bloco involucionário” (outra vez sic) de PP e VOX foi derrotado e acrescentou que aqueles que querem mais direitos e mais liberdades são muitos mais que os “involucionistas”. Mas que Pedro Sánchez o diga não significa que seja verdade. Pelo contrário, se o diz é bastante mais provável que seja mentira. Porque Sánchez é um político da nova geração, ao contrário de Feijó. Isto não significa que minta mais, todos os políticos mentem, mas os antigos ou escondiam a mentira em fórmulas jesuíticas que lhes permitiam mais tarde invocar uma negação plausível ou simplesmente omitiam as partes inconvenientes da verdade. Sanchéz, pelo contrário, proclama a mentira a peito aberto, porque sabe que é o que a multidão quer ouvir e o que os incautos apreendem. Apesar do que diga Sanchéz, o tal bloco involucionista não concorreu em bloco, o PP não perdeu as eleições e, machistas ou não, foram mais (ainda que não muito mais) nas urnas.

Sem dúvida que em política ganhar significa governar e se o PP não chegar a governar, então perdeu as eleições. Não serei eu quem aposte que o PP vai governar pelo que, se o partido mais votado não governar (e seria a primeira vez na Espanha da Constituição de 78) então não ganhou. Mas ganhar e perder neste sentido eleitoral também tem muito a ver com as especificidades dos círculos eleitorais espanhóis e a questão das regiões autónomas com partidos autonómicos e/ou nacionalistas que fazem do xadrez da política espanhola algo que não se ajusta à realidade portuguesa. Em relação à questão de se o PP se viu prejudicado nas urnas porque uma aproximação ao VOX afugentou o eleitorado moderado do centro, que é o que mais interessa no caso português, a resposta é um não rotundo.

Em primeiro lugar temos a questão da abstenção. Depois da derrota nas eleições autonómicas que se realizaram no mês de Maio passado (em muitas, mas não todas, as regiões) o governo de Sanchéz decidiu antecipar as eleições legislativas para o último fim-de-semana de Julho, na esperança de que os eleitores de direita, como bons fascistas, preferissem ir à praia a pôr a cruz nos seus partidos. Esta estratégia falhou rotundamente (como já se antecipava com o aluvião de pedidos para votar por correio que obrigou os funcionários a aumentar a intensidade e a duração das jornadas laborais) tendo a abstenção diminuído em cerca de um ponto percentual em relação às últimas eleições legislativas em Novembro de 2019. Curiosamente a distribuição da abstenção não foi homogénea, e olhando para os maiores círculos eleitorais (Madrid, Barcelona, Valência, Alicante e Sevilha) nota-se que a abstenção se reduziu mais naqueles onde o PP venceu (3,6% em Madrid e Valência e 4,4% em Alicante), e menos onde o PSOE ganhou. Em Sevilha reduziu 1% a par da média nacional e em Barcelona, chave do resultado do PSOE até aumentou 3,8%. Ou seja, algo de razão tinha o Sanchéz em querer reduzir a participação, porque os seus resultados foram melhores nos círculos eleitorais onde esta foi mais reduzida, mas o que não se pode extrapolar dos resultados para Portugal é que uma aproximação (mesmo que imaginada) ao Chega contribuiria para um aumento da abstenção do eleitorado de direita, ou mesmo do centro.

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E se a abstenção não foi um problema, muito menos o foi a própria votação, senão vejamos:

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Como se pode ver no resumo do agregado nacional, o PP conseguiu aumentar a sua votação em 3 milhões de votos. Atendendo a que o número de votantes foi practicamente igual nas duas eleições (mais 200 mil nestas últimas) é fácil perceber de onde vieram esses votos. 600 mil chegaram do VOX. Vamos admitir, a efeitos de argumentação, que poderiam resultar de uma aproximação ideológica dos dois partidos. Só que nesse caso fica mais difícil explicar os restantes 2,6 milhões de votos. Desses, 1.6 milhões resultam da implosão do Ciudadanos que era o partido que sonhou um dia tomar conta do centro do espectro político. Mas mesmo admitindo que o Ciudadanos era um partido de direita, coisa assaz discutível, ainda faltaria contabilizar quase um milhão de votos. E esse milhão de votos chegou, para mal dos pecados de quem se preocupa uma suposta colagem do PSD ao Chega, do centro do espectro político, nomeadamente daqueles moderados que nas últimas eleições deram a vitória a Pedro Sánchez. É aqui que a façanha de Sánchez roça o extraordinário, porque o PSOE conseguiu aumentar a sua votação em quase um milhão de votos o que, se atendermos a que perdeu um milhão de votos ao centro, significa que conseguiu roubar cerca de dois milhões de votos à esquerda radical e aos partidos nacionalistas. O PSOE evitou a derrota porque se converteu no receptáculo do voto útil da esquerda radical e dos independentistas. A primeira permitiu-lhe não cair tanto nas regiões de língua castelhana, como as últimas eleições locais e regionais faziam prever, e os segundos serviram de trampolim para agora poder disputar a liderança do governo. O Monstro de Frankenstein ganhou vida própria à custa das partes constituintes e, apesar de ideologicamente muitos não terem mais remédio que voltar a acordar um pacto com o criador do moderno Prometeu, todos pressentem que estão a assinar a sua sentença de morte. O PSOE secou os partidos ideologicamente mais próximos à sua volta.

Têm razão, portanto, os que afirmam que uma aproximação ao Chega em Portugal poderia provocar uma rejeição no eleitorado. Esquecem no entanto de dizer em que tipo de eleitorado. Poderia significar um voto útil da esquerda mais radical no Partido Socialista e, à imagem de Sánchez, uma maior preocupação desse partido em agradar a esses eleitores. O que aconteceu em Espanha não foi uma rejeição ao PP por parte do centro moderado, foi uma radicalização à esquerda do Partido Socialista Obreiro Espanhol, como nunca tinha acontecido antes de Sánchez. Não há dúvida de que resultou. E esse eleitorado militante está preparado para o combate. Durante o discurso de consagração do líder, na Calle Ferraz em Madrid voltou a ouvir-se, como em 1936, o grito de No Pasarán! Só o centro moderado é que continua a pensar que estão a falar da ultra-direita.

Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.